32 BIENAL INCOMODA E ACERTA
BARBARA WAGNER
Desde sempre e particularmente já há mais de um século, a arte dificulta sua contenção e vai esvaindo-se pelas frestas dos mecanismos criados para abrigá-la, sejam eles os espaços físicos ou seus parâmetros conceituais de definição.
E quem não sabe disso, não é? Pois um texto lamentável, assinado pela curadora e crítica de arte Sheila Leirner no Estado de São Paulo – jornal que melhor representa as forças conservadoras do país – traz de volta o assunto. Colateralmente, confirma o acerto e não invalida, como pretendia, a 32ª Bienal de São Paulo.
Usei o termo lamentável e associei o texto ao conservadorismo nacional por uma série de razões. O Estadão tem publicado sistematicamente críticas a esta edição da Bienal. Se há o que considerar nos artigos de Rodrigo Naves e Araci Amaral, Leirner se equivoca do começo ao fim do seu desabafo. Comete deslizes de quilate tão inferior a um material que pretende ser de análise crítica que todo o texto se torna uma colcha de sintomas do conservadorismo que mencionei arriba.
Alguns trechos, impregnados de nostalgia por tempos grandiosos das bienais do passado, são particularmente esclarecedores. Avaliando o valor dessa Bienal ela diz:
“Possuiria valor se não tivesse perdido a oportunidade de seduzir e fascinar o público, oferecendo-lhe arte, história e real concentração do espírito em vez de entretenimento e lazer, paradoxalmente sob o peso dos mesmos e sinistros motes de sua vida cotidiana”
Falar em fascinar e seduzir o público e invalidar a obra ou a curadoria que opera sob o peso dos “sinistros motes da vida cotidiana” do público é cutucar a história da arte com vara já não tão curta. É também de pouquíssima sutileza no trato com a vida cotidiana desse público.
Aí vai outra:
“O que significa a meia dúzia de artistas históricos ou reconhecidos, pingados e perdidos no meio do pavilhão?”
Muito pouco, ela parece considerar. Não tem artista reconhecido ali. Deveria haver mais, de certo. Como no passado glorioso que ela evoca em termos preocupantes ao afirmar que:
“Um pequeno colegiado de jovens e talentosos curadores internacionais nunca foi suficiente. Seria necessário, antes de tudo, um enérgico (!?) grupo nacional de auxiliares em todas as áreas”
E invoca um tempo em que supostamente havia “um fértil diálogo com instituições e interlocutores oficiais nacionais e estrangeiros, como se fez em algumas Bienais a partir de 1981 (antes de internet).”
O curador internacional à frente da Bienal tem uma carreira marcada exatamente pelo diálogo com as grandes instituições nacionais e internacionais da arte. Entre elas Inhotim, Serpentine e Bienal de Veneza. Se esta informação invalida o comentário apartando-o deste grupo insuficiente resta, talvez, para desaboná-lo, o fato de que ele tenha se formado em um tempo pós-internet.
A Bienal fala de tudo, menos de arte, Leirner sugere. Essa linha de argumentação desconsidera que estender-se aos motes da vida cotidiana (que ela define como sinistros), e não mais fascinar e seduzir o público tem sido a real aventura da arte contemporânea. Sejamos agradados ou não pelo que ela nos entrega.
Em favor dos críticos que se esforçam para conter a indiferença da produção atual a todo tipo de limite, é preciso dizer que, frequentemente, ficamos quase todos como eles, castores atarantados e ineficientes frente a este transbordamento incontrolável dos meios e sentidos da arte. Nada justifica a síndrome de Monteiro Lobato, entretanto.
Grandes mostras de arte contemporânea não são concebidas para ser apenas agradáveis ou fáceis. E não estou falando de espaços e concepção expositiva. Este incômodo é um dos legados deste nosso tempo “de internet” ameaçado por uma suposta “não descendência”.
Difícil, quando se trata da curadoria de um evento desse porte é registrar a arte na hora em que ela acontece. Que ela é.
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