Febre do Rato
Assisti ao filme Febre do Rato do pernambucano Cláudio Assis. Algo como o Banquete do Zé Celso encenado em preto e branco dentro de uma caixa dágua de quintal e nos mangues do Recife. No filme, o Recife que retrata o Brasil “é um inferno de brancos e negros e de todo mundo transando com todo mundo, homem com homem, mulher com mulher, mulher com homem” como define, mais ou menos com estas palavras, um dos personagens. A trama, que tem como herói um poeta carismático e seu séquito de deserdados, desfila a exclusão em versos para desaguar no pátio da truculência policial. Poesia e miséria espalham-se pelas palafitas que chafurdam às margens do Capiberibe enquanto nós, expectadores, somos atingidos com cenas de sexo em estado puro e ternura de romance de coveiro com travesti.
O Brasil terno e dilacerado do Cláudio Assis me seguiu para fora do cinema. Atravessei com ele os corredores bem iluminados do shopping pensando no impacto que ele tinha sobre este agora à minha frente. E lá ia eu, denso em medida inadequada para o domingo de pipoca e bermudas quando, diante da necessidade de ser mínimamente educado com a moça dentro do guichê do estacionamento, lembrei-me de um recurso adotado pelo jornalismo da nossa maior rede de TV. Logo após anunciar um atentado terrorista, dois assaltos a luz do dia e um atropelamento com morte e fuga, o rapaz ou a moça deixa de lado o tom grave, move a cabeça em direção a outra câmara e com um sorriso convenientemente discreto nos avisa que agora vai falar de um assunto mais leve: é claro que em seguida vem a agenda cultural! Imagino que a não ser que o filme do Assis fature alguns prêmios pelo mundo, além dos que merecidamente já levou por aqui, ele não vai entrar nessa pauta.
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