Nem vidência nem ciência
No passado, antever o futuro era uma atividade atribuída a poderes misteriosos, fora do alcance da gente comum, e eram as associações do xamã com o extraordinário que conferiam autoridade às previsões.
Uma variante ficava, e fica até hoje, por conta dos ficcionistas. Na literatura e em outras formas de arte e com maior ou menor poder de convencimento, estes nunca se preocuparam em advogar algum tipo de parceria privilegiada com o desconhecido, nem com a plausibilidade dos frutos da sua imaginação. Vêm da capacidade ficcional todas as visões do Céu e do Inferno, as narrativas visionárias do Julio Verne, e Hall, o computador do filme 2001 Uma odisséia no espaço.
Hoje, a maioria de nós acredita que o futuro não acontece na borra de café ou na bola de cristal, e assumimos que ele possa ser engendrado pela análise de possibilidades, por cálculos de variáveis e técnicas para lidar com as incertezas, diminuindo os erros de previsão.
Alguns autores situam os primeiros trabalhos valendo-se de métodos racionais para antever o futuro no período que vem logo depois da Segunda Guerra Mundial, aí já com fins de estabelecer estratégias comerciais. Táticas de previsão utilizadas em atividades militares teriam migrado para as práticas de empresas multinacionais, que começaram a experimentar métodos de elaboração de cenários futuros a fim de embasar as ações de expansão global.
A moda, que recém inventara o pret a porter e estava às voltas com o dilema de saber o que exatamente deveria fabricar para que o investimento não mofasse em estoques que ninguém queria comprar, aprendeu depressa a lição.
Os birôs fizeram -e ainda fazem- bem o seu trabalho e a palavras como tendência foi atribuído o poder mágico de conjurar e modelar o futuro.De lá para cá, as técnicas para melhor sustentar as decisões evoluíram, mas elaborar quadros futuros é atividade que depende tanto de componentes intuitivos e do imaginário quanto de componentes racionais. Se fosse possível separar uns dos outros, talvez desenhássemos futuros seguros, ordenados e sem fissuras e projetaríamos outros excitantes e acidentados, dependendo da natureza do projetista ou do gosto de quem encomendou o seu. Como nem o presente se divide dessa forma, prevemos futuros tão mistos quanto o hoje e usamos simultaneamente a razão e a imaginação para esta atividade.
Existe uma lógica na dinâmica da moda que permite prever sua conformação no futuro? Que movimentos dentro e em torno dela acionam modificações no comportamento? Que variáveis devem ser analisadas?
Pensamos assim para elaborar os cenários de circunstância, construídos sobre a lógica possível dos dados. A contraparte inseparável é desenhada pelos cenários desejados, aqueles que a imaginação concebe e a razão avalia se são plausíveis, construídos sobre a capacidade de preservar um espaço de liberdade em meio às práticas comerciais.
Para poder avançar e sobreviver, a moda atual demanda pelo desenho de futuros cada vez mais curtos, feitos quase que no varejo. Ela, que não dispõe dos tempos ideais para a tarefa, aprendeu a oscilar ligeira entre o racional e o imaginário. Nem vidência, nem ciência, adentra o terreno da ficção. O que não é necessariamente um problema, também aqui ela está em boa companhia.
* Este texto, entre outros, fará parte do livro : ” O Lugar Maldito da Aparência”, escrito por Eduardo Motta, com lançamento previsto para 2013.
Imagem mountvernonmidden.org
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