Michael Haneke filma o Amor
Para nos colocar dentro da história do seu filme Amor, cujo assunto é a velhice, Michael Haneke contorna nossa habilidade instintiva em desviar do tema trazendo ele a público em hora oportuna. O mundo está envelhecendo, a expectativa de vida cresce e pessoas velhas estão por toda parte, não apenas recolhidas aos quartos domésticos e clinicas de repouso. O diretor ainda usa outro recurso empático, este puramente cinematográfico, logo na cena de abertura. A câmara estática registra uma sala de teatro, em tudo muito parecida com aquela em que estamos. Pessoas variadas chegam aos poucos e vão tomando seus lugares. As luzes se apagam e a peça começa. Para nós, espelhados na platéia que nos olha, enquanto olhamos o filme, já não é possível nos desembaraçarmos do que vem a seguir. À medida que ele avança, é indiferente se é apenas um filme, se temos 20, 50 ou 80 anos: compartilhamos juntos a ação das regras mais desagradáveis da natureza. Na tela, corpos e mentes se deterioram e o diretor capta o processo com crueza e elegância. De fato, é a dicotomia entre estes dois substantivos que sustenta o andamento do filme. Um manto de civilidade cobre a decadência física do casal de personagens. São dois musicos talentosos, inteligentes e refinados, vivendo em um confortável apartamento em Paris. Nada disso ajuda. Nem o som do piano de cauda, nem os livros e obras de arte, nem os imensos tapetes que se espalham pelo ambiente abafam o som da voz que definha. O filme não é um questionamento do amor, da capacidade dele se estender a momentos de tanta indignidade física. É uma afirmação dele, levada às últimas consequências por este diretor especializado em mostrar exatamente aquilo que ninguém gostaria de ver. Se há um tabu colocado em xeque neste filme, ele é outro. Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, dois atores excepcionais, contribuem com Haneke para nos deixar com a incômoda pergunta: a vida sempre vale a pena ser vivida?
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