O desfile ruim
Isto é de propósito? A pergunta proferida em inglês ficou boiando um tempo no ar, antes de baixar com todas as suas implicações sobre o meu entendimento. Estávamos em um desfile e o que o rapaz estrangeiro queria saber era se a evidente debilidade daquela roupa levada à passarela era algo com o qual o estilista estaria lidando de maneira consciente. Não não é, eu respondera em algum momento, e não pude deixar de notar o esforço que ele fazia para se posicionar corretamente diante da questão. É preciso dizer que não se tratava de um conhecedor de moda. Ele estava ali por alguns truques do acaso e queria entender a moda brasileira pela roupa que cruzava a passarela. Posso afirmar que não havia uma gota de ironia na pergunta. Era apenas isso, vontade de conhecer.
O desfile seguiu seu curso. Discreto, meu convidado não voltou mais ao assunto. Ao final, aplaudimos juntos. Outros desfiles se seguiram àquele e a pergunta continuou bailando na minha cabeça. Is it on purpose?
Apesar do personagem estrangeiro, e da tentação, não é a ideia confrontar a qualidade da moda brasileira tirando partido deste relato. Isto poderia ter acontecido em qualquer lugar. Diante de algo que todos reconhecem como excelente, não é raro nos comportamos passivamente e nos tornarmos fervorosos admiradores daquilo que nunca víramos até então. Bem, pelo menos até que uma pergunta ingênua, mas letal, desmonta o acordo e faz desabar a estrutura.
Saímos de dentro de um cinema se o filme é ruim. Damos meia volta na porta da galeria quando a obra não nos agrada. Encostamos para sempre o livro chato. Do ritual do desfile ruim não dá para se livrar. Ele é igual missa, casamento, cerimônia de inauguração. Uma vez dentro, temos que ficar até o fim. Então é isso: o que incomoda é a impossibilidade de reagir na hora ao desagrado. É ter de ficar ali, estático e olhar com aparente interesse, aplaudir o estilista que se dirige teatralmente ao pit para depois bater em retirada em meio à revoada de modelos. Só aí a luz acende, nos levantamos e é quando alguém pode ceder ao impulso e perguntar: is it on purpose? fazendo toda a encenação ruir.
Quanto à resposta correta, aí já não sei mais qual ela é, meu amigo. A esta altura, o que sei e vou guardar comigo, é a convicção de que participar mecanicamente, sem envolvimento real, seja de qual experiência for, diminui não apenas quem pratica o ato, mas o próprio objeto de atenção.
Devo respeitar a moda mais que imagino, para me incomodar tanto com o desfile ruim.
Ilustração: Eduardo Motta
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