Satisfeita uma ova! Disse a velha e animada senhora, sacudindo um cartaz para a repórter da televisão. Em pleno controle das faculdades físicas e mentais, lá estava a octogenária decretando o fim da passividade nacional e a falência das pesquisas de opinião.

Ondas de insatisfação, como esta que atravessa o Brasil, além de encurralar a classe política no cercadinho da sua fenomenal incompetência, arrasam com a venda de prognósticos que montou balcão no vão livres das nossas atividades. Qualquer um pode esmiuçar o que foi publicado ou vendido sob o rótulo de pesquisa de opinião e previsão estratégica no país nos últimos tempos e não vai encontrar nenhum sinal de que milhões de pessoas estavam “satisfeitas uma ova”.

Quem está por trás das perguntas que levam à conclusão de que somos um oásis de eleitores satisfeitos e de consumidores ávidos por comprar? Quem argumenta e legisla em causa própria, pelo jeito. O que ajuda a explicar a cegueira dos dados estatísticos anunciados em jornais e canais de televisão.

Poucos dias antes dos protestos eu andava pela Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, quando desapareceram os carros civis e um cortejo de veículos escuros cortou ao meio a rotina de turistas e moradores. Por alguns segundos todos pararam para ver a cena. Sei lá porquê prestei atenção nas pessoas e não nos carrões. Não havia um pingo de respeito nas expressões. Na calçada tropical, alguns balançavam negativamente a cabeça, outros trocavam comentários irônicos. A passagem da comitiva blindada era claramente percebida como um estorvo no dia azul. “Gente inevitável e incômoda essa”. Se dito, seria este o consenso geral.

Porque é que esta reação diante dos representantes do poder público, maturada em um desagrado histórico e praticada por quase todo mundo que a gente conhece, não era detectada na pesquisa de opinião?

Ultimamente, frases que começam com “87% dos consumidores pretendem”, “62% das donas de casa querem” funcionam como senhas para o meu descrédito.

Em boa hora abrimos mão de guiar nosso futuro e nossos negócios pela contabilidade cármica de deuses vingativos ou pela leitura da borra no fundo da xícara de café. Mas tínhamos que trocar esta parafernália obscura por um punhado de números colhidos ao interesse de quem faz a soma final?

Há quem diga que quem protesta não sabe o que quer. Bobagem. Polifonia de reclamações não é falta de foco. Os problemas é que são muitos e não dá para recusar tanta má fé política com poucas palavras. Ao caleidoscópio de reivindicações junto mais esta. Reivindico o direito de não ser incluído na contagem tendenciosa das opiniões. Não me incluam nos resultados. A opinião é minha. Tirem as mãos e os interesses de cima dela. Eu não sou apêndice da amostragem. Derivativo de indicativo. Probabilidade da margem. Eu não sou percentual.

Imagem : Pintura Tarsila do Amaral