SPFW, TRENDS E UM TANTO DE COISAS MAIS
Na edição comemorativa de bem sucedidos 20 anos de existência, a SPFW teve a Bauhaus como mote e exaltou a convergência criativa entre moda e arte. A distância entre o Parque Villa Lobos, local dos desfiles, e o Parque do Ibirapuera, que abriga a Bienal, entretanto, parece ter desencorajado o trânsito entre um evento e outro. Algo que não havia acontecido durante a edição simultânea à SPArte, quando frequentadores dos desfiles se jogaram na feira como extensão da cena fashion.
Outro dado notável é que a radioatividade que recentemente contaminou a atmosfera política no país ficou de fora do evento. Com exceção, talvez, do desfile do Ronaldo Fraga, cuja apresentação vigorosa ao som live de Cida Moreira, levantou bandeira contra a verticalização e o automatismo da vida urbana ecoando o apetite nacional pelo protesto. Na passarela, modelos de quatro olhos e pele vermelha exibiram peças de cintura marcada, de inesperada sensualidade e imediato acolhimento.
Entre os patrocinadores da SPFW, lá estava a Jontex, que entrou como parceira promovendo o sexo seguro e a criação de um vestido de camisinhas que ficou em exibição por lá. Melissa promoveu mostra de arte com trabalhos interativos e, sem o Fashion Rio no horizonte para dividir as atenções, a SPFW pulsou forte e concorrida de domingo a sexta na cidade desidratada, mas nem por isso menos efervescente. Para não deixar de comentar o fato de não haver semana carioca nesta temporada, especulo que a Fashion Rio é hoje uma espécie de marca premium com os rumos em transição. Nada mais acertado para quem tem que realizar duas fashion weeks de grande porte que associar uma delas exclusivamente à brasileiríssima estação de calor.
Esta edição da semana paulista, que eu resumiria como discreta e consistente, absorveu novos participantes, principalmente mineiros. Dá para falar de um fenômeno vindo das Minas Gerais. Ele pode ser creditado a marcas que nunca haviam batido ponto no relógio da SPFW. Patricia Bonaldi veio de lá e deu o que falar. A moça capitaneia uma pequena holding, a Nohda, responde por uma dupla de marca próprias, Patricia Bonaldi e Pat Bo, e é proprietária da Lucas Magalhães e da Apartamento 03. Emplacou duas delas no line up. Além delas, Gig, Viktor Dzenk e Llas, todas estreantes na paulicéa, também assaram o pão de queijo nas passarelas. Juliana Jabour é de Belo horizonte, e tem ainda Ronaldo Fraga e Gloria Coelho, nascida em Pedra Azul, no interior de Minas. Estes dois são grandes, já pertencem ao mundo. Forço a barra com eles só para encorpar a lista do uai.
A dança das cadeiras, um clássico das semanas de moda também agitou a semana. A mais comentada foi a entrada de Vitorino Campos na Animale. Priscila Darolt, que deixou o posto para o rapaz, por sua vez assumiu a Sacada. Talentosos, ambos tinham chances de se sair bem. Vitorino se deu melhor, desfilou também a própria marca e fechou a temporada como o nome a ser monitorado. Priscilla é brilhante, e ainda vai ter tempo de consolidar uma nova imagem para a marca que ela assumiu.
João Pimenta, único remanescente dedicado ao masculino também tinha motivos para comemorar (10 anos de atividade) e não decepcionou com uma coleção atrevida que fez jus ao histórico ímpar da marca que ele criou. A Amapô celebrou a mesma contagem histórica com muito jeans.
Correndo por fora (no caso, literalmente correndo) Stella McCartney aterrissou por curtas 12 horas no Brasil, declarou amar o pais, impôs restrições a ser abordada com perguntas sobre o pai e deixou como saldo da viagem uma coleção “menos descartável” nas araras da C&A. Donatella Versace, para a Riachuelo, absteve-se de posicionamentos engajados e entregou ícones versaceanos, todos com potencial para arrastar novas compradoras para ambas as marcas. Fechou o desfile e a estadia posando ladeada por dois rapagões sem camisa.
Gaspar Ulliel, o bonitão que interpreta o Yves Saint Laurent em produção “não oficial” também passou pela semana. O filme em que ele carrega o talento, a fragilidade, e o apetite por drogas e sexo do “último dos grandes costureiros” abriu a semana. (Não confundir com o Saint Laurent já exibido no Brasil este ano.)
Voando alto, La Bundchen – pós estreia do filme da Chanel e mais bonita a cada ano que passa – era toda ela um incandescente sorriso a bordo do carisma que os deuses lhe deram e que ela empresta semestralmente para a Colcci.
Peço um pouco mais de paciência. Pretendo chegar às roupas e às propostas de como usá-las. Antes, recorro ainda ao relato de uma conversa que mantive com uma jornalista amiga enquanto comíamos um crepe em um dos food trucks na área de alimentação.
– Não estou entendendo nada, disse ela. Parece que cada um vai para um lado.
Ela se referia à idiossincrasia dos criadores, segundo afirmava, tão empenhados em delimitar o próprio mundo que ela estava achando difícil detectar e listar os trends da estação. Como se sabe, são eles, os trends genéricos, que saciarão os conteúdos dos blogs, a curiosidade dos leigos, definindo decisões da indústria e de compra e venda. Dava para entender a aflição dela. Por outro lado, onde há diferença, há riqueza. Considerei positivo o que ela apontava como problema. Mas ela tinha razão em manifestar espanto. Com o assédio da moda rápida, na hora de apresentar ideias marcas precisam delimitar diferenças e é previsível que várias se empenhem em radicalizar a si mesmas. É o que fez Gloria Coelho, em boa apresentação, renovando recursos que já empregou antes. Uniu de outra forma as faixas horizontais e fez parecer que era tudo novo. É o que tem feito seguidamente a Osklen, desta vez usando a ideia de um casal que viaja através de condições naturais diferentes para reinventar o apelo global da marca.
Olhando uma amostragem da lista de inspirações declaradas, entendo ainda melhor a aflição da colega: Helmut Newton e geometria para Wagner Kallieno, autoconhecimento para Fernanda Yamamoto, vikings e gladiadoras para Tufi Duek, roupas utilitárias de jardim para Herchcovitch, Islândia para a 2nd Floor, Anos 60 e 70 para a Lilly Sarti, Florença do Renascimento para Reinaldo Lourenço. Olhando esta lista, mesmo reduzida, dá para imaginar que não há possibilidade de acordo, que não vai dar rima, convergência ou chance de produção em série. Só que não é bem assim. O manto variado das narrativas abriga sob ele aparências próximas o suficiente para apaziguar as inquietações da minha amiga e satisfazer o impulso nivelador do mercado. De tal forma que este artigo, como todos os outros, vai se empenhar, em algum momento, em dizer quais são elas. Mas não agora. Antes disso, parto para outra digressão, vou ainda mais distante do que deveria do núcleo desta conversa para mencionar o controvertido lançamento de uma faculdade para blogueiras. Fora do núcleo, mas na órbita, o assunto dividiu opiniões emprestando um tom passional ás conversas paralelas. Sobre ele, entretanto, não vou me estender agora, pois é tema de outro post a ser publicado em breve.
De volta às roupas, começo pela coleção Alexandre Herchcovitch. Não é a primeira vez que ele aborda o tema utilitarismo + jardim. A diferença, é claro, está na forma como ele o desenvolve. Há momentos brilhantes na linha narrativa que ele impôs ao desfile. Passamos por xadrezes e bolsos grandes, tão previsíveis quanto bem solucionados, e fomos enredados por grids de treliças e flores. Acredito ser difícil resistir ao amarelo de pólen e pétalas do veludo dos casacos finais. Além destas impressões, fica o registro das formas que dão diretrizes práticas para quem quer saber o que se deve usar. Os tubos curtos, levemente soltos do corpo, e os casacos que acompanham este shape, além de mega urbanos, são orientadores de proporções e formas da modelagem. Reaparecem em várias marcas. Lilly Sarti entre elas, São trends, como queria a amiga.
Também são tendências as superfícies trabalhadas com soluções artesanais ou com aparência de. E aí, apesar das diferenças de temas e aspectos, valem tanto as texturas da guerreira da Tufi Duek, as costuras manuais da Ellus e do Pedro Lourenço quanto os bordados e apliques multicoloridos da Llas marca que mistura alhos com bugalhos, barroco com minimal, esporte com bordado. É o trend que se oculta atrás da aparência, mas que se impõem no mercado pela mesma raiz de procedimento: a mistura de texturas.
Outro mix é o de estampas, justapostas, indevidas, atrevidas e com ótimos resultados. Dá para citar Pedro Lourenço e Pat Bo.
O aspecto natural, com evocações de florestas, musgos e madeiras percorre peças do Lino, da Osklen, da Têca e de outras marcas de DNA distintos. Ora em tricôs, ora em jacquards ora em veludos, ora em planos leves e amassados.
Tem o trend ditado pelo material, caso do denim, protagonista na moda global e estrela das blockbusters Ellus e Colcci, mas também da experimental Amapô.
Na modelagem, entram as maneiras de conferir leveza a peças mais longas, geralmente midi. O comprimento encontra resistência e o recurso é suavizá-lo com aberturas, fendas, transparências, barras irregulares e tecidos leves. Funciona. Plissados e franjas contribuem. Gig, Osklen, Uma, Dzenk, Versace para Riachuelo fizeram e cada um a sua maneira.
A geometria bate ponto sob inspirações variadas. Vai do japonismo aos Anos 60, vira camisaria branca, alfaiataria modificada, dá origem às construções fluidas com os recortes que iluminaram à apresentação da Animale, da Giuliana Romano.
Tem Africa, Ubezquitão e decor celta quando o assunto é etnia.
Nos agasalhos entram bem os tricôs longos e as capinhas curtas e armadas, de inspiração medieval e em fábulas infantis, estas bem vistas nas coleções internacionais.
Ainda diria à amiga para ficar de olho em materiais como o couro, soberano na Patricia Viera e presente em todo canto, nas transparências e nos metalizados, mas não acho produtivo aumentar a lista. Por mais que sejam muitos os tópicos, seria maior a relação daqueles que ficam de fora dela. E sempre vale considerar que muito do que entra na lista da temporada não vai entrar na sua marca, nos domínios da sua pessoa jurídica. Afunilando ainda mais: vai passar longe também do seu guarda roupa, ou seja, da sua pessoa física.
Na moda, como na vida, em busca de alguma identidade, às vezes é bem mais produtivo pensar inversamente. Pensar por eliminação. Simplificar de fato e conseguir representar bem a escolha feita, nos tempos que correm, isso sim é trend que vale a pena.
Fotos: Agência Fotosite/divulgação
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