Sexualidade em tempos de ditadura

Sexualidade em tempos de ditadura

20 de abril de 2016 Arte, Colunas, Opinião 0

 

Dzi-01

É lamentável qualquer menção feita em tom de homenagem a torturadores e demais envolvidos com a ditadura, como fez o deputado Jair Messias Bolsonaro na sessão da câmara dos deputados no dia 17 de abril.

Este texto é sobre alguns que não se conformaram com a ditadura e é para aqueles que se recusam a aceitar as palavras do deputado.

No contexto de repressão causado pela ditadura, qualquer coisa poderia ser considerada subversiva. Quem não cumpria as normas era torturado, exilado ou morto e os grupos de militância política encontravam dificuldades em lutar por suas reivindicações e direitos. Vinda dos palcos, a luta protagonizada por figuras como Caetano Veloso, Ney Matogrosso e o grupo Dzi Croquettes causaram forte impacto na época, pois questionavam os estereótipos de gênero. Como fez Caetano, nos quatro concertos que realizou no Brasil ao chegar do exílio. De cabelos longos e desajeitados, vestia calça cor de areia e um blusão curto de jeans, desabotoado, deixando o umbigo de fora. No palco, movia-se de forma sensual, imitando Carmen Miranda. Este comportamento, o visual andrógino e a sexualidade ambígua, ao mesmo tempo que atraía o público também causava repulsa em boa parte da elite do país. Essa nova masculinidade projetada pelo cantor contrapunha-se diretamente à masculinidade projetada pelo homem brasileiro e às normas tradicionais de gêneros encravadas na nossa cultura e defendidas pela ditadura.

 Ao mesmo tempo em que Caetano se tornava um ídolo para uma parcela da população, Ney Matogrosso e os Dzi Croquettes também faziam sucesso nos palcos, desafiando os limites da sexualidade. Na década de 1970, tanto Ney – ameaçado diversas vezes pelo regime militar –  quanto os Dzi Croquettes – que tiveram apresentações ‘canceladas’ pelos militares –  embaralharam propositalmente as referências masculinas e femininas e desempenharam um papel importante e provocador no debate a respeito da política sexual no Brasil.

Em um documentário de 2009, que conta a história do grupo teatral Dzi Croquettes através de depoimentos coletados ao longo dos anos, bem como cenas e gravações de apresentações, é possível vislumbrar a trajetória destes que vieram a se tornar símbolos da contracultura brasileira ao trazer para os palcos a sua forma particular de confrontar a ditadura, através do tom de comédia, deboche e ironia.

Em depoimentos, Ney Matogrosso e Amyr Haddad lembram que o que era visto nas apresentações deles eram homens vestidos de mulher, mas ao mesmo tempo ninguém queria ser mulher, eram peludos, tinham pernas peludas e barbas. “Você via homens fortes, cabeludos, cheios de pelos, pisavam duro, dançavam como machos, vestidos de mulher, com uma sexualidade dúbia e balançavam muito a estrutura sexual das pessoas”, cita Amyr. O que se via nas apresentações era uma possibilidade de absoluta liberdade no exercício da sexualidade.

O diretor e ator Jorge Fernando, que participou do grupo durante um período, comenta que a existência de um grupo como este durante a ditadura só era possível e permitido porque o regime militar enxergava apenas o problema da nudez nas apresentações. Os censores não entendiam toda a extensão das questões levantadas por eles. O regime “não sabia captar onde estava a ameaça, mas sabiam que aquilo era uma bomba”.

O grupo teve forte apelo popular, não ficou limitado apenas a subculturas e com o tempo os fãs começaram a andar e falar como eles. Grupos de mulheres frequentavam festas na noite paulista com visuais inspirados pelo grupo, alguns homens começaram a também adotar “elementos Dzi” e a não se importar em parecerem gays ou o que fosse.

São pessoas que não se calaram naqueles tempos de opressão, e que jamais deixaram de exercer o direito de ser o que quer que seja, que merecem a nossa homenagem. É inaceitável que um político de um governo democrático não entenda isso.

Sobre o autor

admin:

0 Comments

Compartilhe a sua opinião!

Seu e-mail não ficara público. Campos requeridos estão marcados com *

Deixe um comentário