Roupas para dar nome ao medo – Rivane Neuenschwander no MAR
Volta e meia, roupas e arte se cruzam e intercambiam significados, modos e questões. Tem sido assim na história de ambas. Nada disso é novidade, nem este trânsito, seja ele simbólico ou material, faz necessariamente de uma coisa, outra.
Alguns destes significados estão, desde tempos remotos, associados à proteção. Não contra vento, frio ou outra ameaça física qualquer: determinadas roupas frequentam as fábulas, a História e as religiões na condição de escudos contra infortúnios e outras sortes de temor imaterial.
Não é incomum que estas roupa-armaduras tomem a forma da ameaça que paira sobre toda a aldeia, ou habitante dela em particular. Vestir-se com a aparência ou com o nome do perigo para enfrenta-lo melhor é eficaz, como sabiam xamãs diante da natureza e o artista brasileiro Manoel Bispo do Rosário diante da insanidade humana.
Roupas são poderosas de muitas formas. Conta-se que um xamã siberiano cujas vestes foram levadas por antropólogos no século XVIII perdeu todos os seus poderes. E tem o traje do rei, o parangolé do Oiticica, o único casaco respeitável de Marx (o que lhe dava acesso à biblioteca do Museu Britânico, onde ele podia trabalhar e ganhar dinheiro para sustentar a família) a roupa da mulher do presidente, da drag queen.
Enfim…. Estas flutuações formais e de significados entre roupas e arte – e as possibilidades de explorá-las – estão aí há muito tempo. E elas aportam de maneira particular no recente trabalho da artista Rivane Neuenschvander, em exibição no MAR, no Rio De Janeiro.
A partir da parceria da artista com o designer de moda Guto Carvalho Neto, com as crianças que participaram das oficinas e a curadora Lisette Lagnado, foram concebidas roupas para representar as muitas formas do medo identificadas pelos pequenos.
O medo, com sua capa,
Nos dissimula e nos berça.
Diz Drummond no poema que a artista cita como um dos seus pontos de partida. O trabalho é resultado de um prêmio internacional concedido a ela pela prestigiosa Fundação Yanghyun, da Coreia do Sul.
Trazer essa experiência com o medo para a infância, ao modo da psicanálise, é apenas um dos acertos deste projeto. Outro é vasculhar as impressões que o assustador ambiente político e social desse tempo deixa sobre a sensibilidade infantil.
A mostra é mais um grande momento dessa artista que sempre retorna à criação interativa como modo do fazer artístico.
Eduardo Motta.
Saiba mais sobre a exposição:
Em 2015, Rivane foi convidada para colaborar com o evento Children’s Comission, realizado anualmente pela galeria de arte Whitechapel (Londres, Inglaterra), criado para promover a interação das crianças com a arte. A artista se propôs a investigar o medo a partir do olhar das crianças. Elas foram estimuladas a listar e desenhar seus temores e a construir capas com materiais ricos em texturas e cores, com materiais do universo do corte e da costura, para ajudá-las a acolher e se proteger de seus medos. Na versão inglesa as capas foram criadas pela artista com a colaboração do designer de moda Lucas Nascimento, radicado em Londres.
No Rio de Janeiro, foram realizadas 12 oficinas, com duração de três horas, com mais de 240 crianças, entre 6 e 13 anos, na Escola do Olhar e na EAV Parque Lage. Laura Lima, Anitta Boavida, Chiara Banfi, Daniel Steegmann-Mangrane, entre outros artistas, auxiliaram os participantes nas confecções das peças.
As capas desenhadas e construídas durante as oficinas no Parque Lage ganharam um novo formato pelas mãos de Rivane e do designer de moda Guto Carvalhoneto, com acompanhamento de Lisette Lagnado. São elas que estão expostas no MAR.
Para a artista, o projeto permite questionar as origens psíquicas e sociais do medo e ajuda a criança na elaboração de seus conflitos. Rivane explica que “a oposição entre brincadeira e violência faz com que esse trabalho ofereça condições singulares para que a criança manifeste seus anseios e temores, para que os adultos reavaliem tanto a infância quanto a exposição cotidiana da criança à brutalidade, e, ainda, para repensarmos como o medo decorre de um tipo de afeto coercitivo dentro da sociedade”.
RIVANE NEUENSCHWANDER
“O Nome do Medo”
Museu de Arte do Rio – MAR
21/02/2017 a 16/07/2017
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