O FUTURO É AGORA: DESFILES OUTONO 2018

O FUTURO É AGORA: DESFILES OUTONO 2018

12 de março de 2018 Moda 0

Cenário do desfile Gucci, Outono 2018.

A semana de moda feminina de Paris terminou no dia 7 de março encerrando a temporada dos desfiles internacionais. E o que começou em Londres, com desfiles masculinos de temperamento acanhado e ausências marcantes, terminou com a Louis Vuitton promovendo um desfile tipicamente parisiense. A temporada trouxe boas emoções, acontecimentos insólitos e anúncios surpreendentes. Fizemos um pescado com o melhor dela.   

Ao que consta, moda e futuro sempre brincaram de viver um no sapato do outro. A moda, metida a cartomante, manipulava o oráculo para apurar as propensões das estações seguintes e assim, se manter alimentada com as estereotipias do seu próprio mundo.

Mas uma pirueta inesperada fez esse relacionamento mudar a dinâmica e dar a luz à uma pergunta: qual será o futuro da própria moda? Por anos, a questão se manteve inativa, resguardada sob auspícios inventivos dos criadores. De repente, a roupa deixou de ser manifestação de uma ideia de futuro, deixou de ser o cerne da coisa e encontrou um caminho no ativismo e na politização.

É nesse momento que a moda para de falar de si mesma e admite a possibilidade de vida além da poeira feérica levantada pelo seu campo de ilusões. O umbigo sai da pauta, entra um entorno social, cultural e ecológico debilitado.

Nessa temporada, múltiplos futuros foram forjados por diversos criadores e marcas. Desde drones à mutação genética, da holografia à distopia social, eles dispararam alertas sobre as limitações de um planeta frágil em um tempo em que se ensaia viver sem limites territoriais. A questão agora não é mais sobre o futuro da moda, é sobre a existência de um futuro em si.

Abaixo, confira os highlights das principais semanas de moda:

NOVA YORK  

Para os habitantes da Big Apple, o futuro se desenrola em uma Matrix deturpada do American Dream, com alguns libertários arquitetando fugas hiperpsicodélicas para algum canto do universo. Parece uma visão absurda? Deixe-me apresentar os fatos:

Primeiro, temos Alexander Wang. Não é novidade alguma que a década de 90 não quer fazer check-out na moda em vigência. Do total jeans ao grunge, quase todo o guarda-roupa de uma família que viveu nessa época já foi revisitado por algum estilista bisbilhoteiro. Wang atualiza a década mergulhando no universo Matrix das irmãs Wachowski e produzindo um exército de mulheres executivas em trajes de couro preto e coques arrematados pela famigeradas “piranhas” da época.

Marc Jabobs com sua homenagem a Claude Montana, repassa o dress power – geométrico, hipercolorido e oitentista – para uma linguagem mais kitsch ainda: propõe uma debutante high school dramática e ligeiramente punk. A ideia é seguida na nave de Jeremy Scott. Este viaja para um planeta em que todos se vestem como em O Quinto Elemento. Utilitarismo pop, esportivo laminado e meia-calça fluorescente compõem o figurino intergalático.

E o posto de troublemaker que costumava ser ocupado por Jacobs na NYFW passa a ser ocupado por Raf Simons na Calvin Klein. Na última saga do estilista, Simons desenvolve seu sonho americano em clima de utilitarismo pesado. É como se um parque de diversões desaparecesse subitamente deixando em seu lugar apenas os operadores das máquinas.

Calvin Klein Outono 2018.

Aconteceu durante a Semana: Carolina Herreira deixou a direção criativa após 37 anos e virou embaixadora global da marca homônima.

LOndRes

O futuro em Londres é especulativo. Orientado por pequenas revoluções, com gladiadores sociais sob uma interessante lufada de expectativa. O amanhã causa frio na barriga.

As cores da bandeira LGBT esticaram-se sobre a passarela da Burberry na última coleção de Christopher Bailey para a marca britânica. Seu escopo foi a diversidade, em todas as nuances que essa possa se estabelecer.

Na Marque’s Almeida, os últimos tapetes vermelhos dos eventos de cinema pareceram fomentar a ideia de redefinir o que ser uma garota significa hoje.

E como Londres ainda mantem o título de terreno para a não conformidade, Matty Bovan surge com uma coleção excitante e persuasiva sobre o poder do criador e de suas criaturas imagéticas. Os balões de gás hélio sob a cabeça da última modelo a fechar o desfile deixa claro a necessidade da moda de ser capaz de surpreender. Boom!

Matty Bovan Outono 2018.

Aconteceu durante a Semana: A Rainha Elisabeth II participou de sua primeira semana de moda.

Milão

Para os milaneses, o futuro se ambienta em cenário não-cronológico, não-territorializado, não-humano — e por vezes, conspiracionista. Uma neo-pangéia tecnológica!

A Gucci  tem sido um grande laboratório de experimentos por várias temporadas. Só que, dessa vez, a casa italiana decidiu efetivar a ideia e tangibilizar um laborátorio de verdade como passarela. Na clínica Gucci, humanos sofrem adaptações para viver em território em que o tempo não é linear, em que a realidade se confunde com a mitologia e a cultura se transmuta em uma velocidade maior do que a própria luz.

Quando se lida com dimensões desconhecidas, é possível trazer de volta personagens que já conhecemos em situações que talvez possamos ter esquecido dado o seu teor conspiracionista. É o caso da Moschino com a história de que John F. Kennedy havia contado para Marilyn Monroe que os extraterrestres eram reais e que suspeitava que sua esposa, Jackie O., fosse um deles!

Enquanto isso, quem assistia aos desfile precisava assimilar um outro conceito: moda criada para pessoas que não vivem nem aqui e nem ali, mas em todos os cantos. Rossella Jardini declarou que sua coleção não tinha temporada — por isso muitas peças contavam com forros removíveis. Antonio Berardi voltou a esse discurso e revelou que roupas precisam passear, por isso não devem ser prisioneiras de temporada alguma.

Foi quando uma dúvida surgiu no ar: se os famigerados Millenials da Dolce & Gabbana estão sentados na fila A, quem estará na passarela? Bruscamente, um time de drones encheu o lugar trazendo bolsas da ultima coleção. Pelo menos ali o futuro já havia feito sua entrada.

Moschino Outono 2018.

Aconteceu durante a Semana: Anna Dello Russo, a única editora de moda depois de Isabella Blow a manter um apartamento-museu para suas roupas, armou um leilão para vender tudo. A era do desapego chega para todos!

Paris

As manifestações estão no DNA da França. Por isso, dizer que o protesto é a encarnação de futuro na semana parisiense, é só  retórica. Aqui o futuro não é só discursivo, ele é holográfico. Protestantes elaboram futuros através de revoluções laminadas e transparentes e ocupam a cidade em gritos de #timesup. O tempo deles acabou! Afinal, the future is female.  

A Dior de Maria Grazia fez referência a um momento decisivo na história da maison. Em 1966, um grupo de meninas promoveu um protesto em frente a boutique em Paris com placas escrito “Mini Skirts forever”. Marc Bohan, diretor criativo na época, posteriormente criou a coleção Miss Dior, um marco da revolução jovem que mudaria o mundo.

Décadas depois, e os direitos feministas ainda precisam ser reivindicados. E é a essa inclinação que a revolução contemporânea da Dior se agarra: A minissaia cede lugar para o suéter escrito “não é não”.

A mulher do futuro da Balmain vive em 2050 um momento em que a década de 1980 é desenterrada mais uma vez. Nessa ficção fashionista, ela mistura cores fluorescentes com ombreiras pesadas em jaquetas de plástico. Talvez até saia para jantar com a mulher da Margiela desfilada na última semana de Alta-costura.

Seguindo na mesma paleta de cores, a Balenciaga de Demma Gvasalia une a impressão 3D em vestidos psicodélicos com os tons fluorescentes-fetiche da temporada. E apesar de, nessa estação, pender para uma silhueta mais ao gosto de Cristóbal, Demma parece, aos poucos, promover uma transfusão de sangue bem mais vísivel com a Vetements — label em que também é diretor criativo.

O futuro é agora.

Dior Outono 2018.

Aconteceu durante a Semana: Ricardo Tisci foi escolhido como o novo diretor criativo da Burberry.

 

 

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