Tudo o que rolou na 43ª edição da Casa de Criadores

Tudo o que rolou na 43ª edição da Casa de Criadores

15 de agosto de 2018 Moda 0

Desfile de Rober Dognani no último dia da Casa de Criadores. (Foto: Reprodução)

A 43ª edição da Casa de Criadores encerrou na semana passada. Um dado novo, infelizmente, se junta ao atual bom momento do evento logo após o encerramento: a recém entrada da Revista Elle como parceira do CdC fica agora ameaçada pelo melancólico anúncio do fechamento das atividades da revista no Brasil. O evento, idealizado por André Hidalgo, é um dos maiores lançadores de talentos da moda brasileira. E, assim como em edições anteriores, veio nessa temporada envolto em tom político forte, dividindo a passarela entre a inventividade que lhe é de natureza e as pautas da agenda contemporânea. 

Como se sabe, o experimentalismo é a espinha dorsal da Casa de Criadores. Os ânimos e as ousadias da turma mais nova de designers tonificam a moda e engatilham alternativas de rumo. Foi nessas bases que o evento se assentou e continua acreditando. Nas temporadas mais recentes, o espirito do indomável foi encontrando vias mais agressivas de apresentação e o político se tornou matéria substancial para o fazer da moda em tempos tão complicados . Memórias, expectativas, frustrações se materializam numa camada de realidade impossível de ser tomada por indiferença: ódio, desigualdade e a condenação de situações intoleráveis se infiltraram de vez no discurso dos criadores.

No primeiro dia, a Också chacoalhou os pavilhões do Museu de Arte contemporânea de São Paulo com a coleção Interferência. Enquanto uma mulher nua cantava, um homem manchado de tinta negra dançava em espasmos e um fotógrafo o perseguia, as roupas desconstrutivistas da marca vinham no corpo de modelos também manchados por tinta preta, revelando uma imagem de moda densa e cheia de simbolismo. Um pitaco imagético esperto para o que de mais instigante há no mundo agora.

Densidade também marcou a coleção de Fernando Cozendey que utilizou a apresentação para falar de abuso sexual infantil. Em uma passarela coberta por ícones lúdicos, modelos usavam peças inteiramente beges e transparentes. A cor do desânimo se misturava a personagens de desenhos animados e acessórios como chupetas e mordedores falando de uma sexualidade prematura, forçada. Um trabalho extremamente forte, ao final, um exorcismo para o criador, disposto a abrir mão de roupas para se concentrar no tema.

Na passarela de Isaac Silva, a raiz da coleção estava na visibilidade transexual. Para falar de luta e resistência, ele joga luz na história de Xica Manicongo — escrava e primeira travesti registrada na história do Brasil, em 1591. Em vestidos com grafismos em preto e branco e padrões de folhagens brasileiras, ele tece o pedido para que histórias como essas não sejam esquecidas.

No mesmo ensejo, Weider Silveiro entona um protesto importantíssimo e levanta a questão dos LGBTQ em situação de rua, que são abandonados pelas famílias e acabam tomando os centros da cidade em busca de abrigo ou albergues coletivos. Com a ajuda de uma ativista trans, o estilista promove uma coleção de viés utilitário, imaginando como é para essas pessoas carregar a casa inteira nas costas.

Na linguagem de protesto vem também a coleção de estréia da Ken-gá Bitchwear. O primeiro look desfilado — um vestido que constrói uma vagina em camadas de tules — ilustra a inspiração: o poder do feminino é o ponto de partida. Por isso, guerreiras matadoras de ursos com o corpo pintado de vermelho desfilam ao lado de uma figura de miss beleza, em escolhas que vão do metalizado às peles, passando por todas as camadas constituintes de uma mulher. Nessa coleção, a princesa salva a si mesma.

Com todas essas situações de embate e constante liberação de energia para debates virtuais, os choques entre o social e o emocional criam stresses e desgastes. Na coleção Eu Não Estou Aqui, a estilista Renata Buzzo desenvolve metáforas com casulos de proteção em peças de malha. Lá, todo o tipo de armadura que protege, esconde dentro de si algo mais reconfortante.

A ponta que está do outro lado desse cabo de guerra é a celebração. É preciso remover, em certos momentos, camadas obscuras para poder enxergar algo mais positivo, tanto para o mundo que foge dos limites da moda, tanto para quem está inteiramente dentro dele. Esse é mote da coleção de Igor Dadona que decide olhar para além das dores e elabora uma coleção que mistura vários estados anímicos que vão desde os xadrezes, as listras e os camuflado às animações em peças de moletom. Fica a mensagem de uma das peças: pain is never permanent.

Nessa linha das explosões e emoções nasce a coleção de Rober Dognani que fala sobre um menino que assistia aos programas de Amauri Jr. nos anos 1980 e seu time lendário que vai de Hebe Camargo a Chiquinho Scarpa. A palavra Diva, para essa apresentação, não é redundância e toda a contribuição para o termo é bem vinda. Exagero, pelo menos para Dognani, é resistência — e um pouco de saudosismo também.

E para fechar, um dos desfiles que mais gerou falatório durante a Casa de Criadores foi o de Felipe Fanaia. Isso porquê, o estilista num surto de revisitação, tocou num assunto sensível: a volta dos emos. O assunto, por outro lado, não pendeu para algo leviano, o passado de Fanaia entra para falar de bullying, de intolerância e como essas tribos sociais encontram, justamente no coletivo, formas de sobrevivência. É revisitação agora, é espetáculo gótico/punk/clubber agora, mas também é um lugar de discurso que na época em que acontecia, não poderia existir.

Sobre o autor

admin:

0 Comments

Compartilhe a sua opinião!

Seu e-mail não ficara público. Campos requeridos estão marcados com *

Deixe um comentário