Uma conversa de moda
Com tantas ressonâncias antidemocráticas, a ideia de luxo é uma ideia estragada, eu disse. Na moda, hoje, os objetos de luxo são como corpos de delito, evidências da desorientação ética e estėtica de seus produtores e dos seus destinatários, emendei enfático. É patético, e não cool, que as grandes marcas pareçam jovens à custa da cultura de rua, pertinentes por lutas que não são delas ou exóticas à custa daquilo que não lhes pertence, nem pela experiência nem pelo direito. Para coroar minha fala inflamada, acrescentei: O luxo é da mesma matéria triste do casaco de pele e da massa encefálica do monarquista brasileiro. Foi quando o amigo perspicaz ponderou: Tem o pop warholiano tardio da Balenciaga. Estava certo ele, aquela roupa banal vendida a preços e styling extraordinários tem mesmo algo a dizer. Nem que seja sobre nós mesmos, retruquei ressabiado. E tem o Raf Simons, ele emendou. Ė mesmo, tive de dar o braço a torcer. Este era bom de verdade. Continuamos nossa jornada pela Sloane Street entrando e saindo de uma fila de lojas perdidas na solidão da auto proclamada exclusividade. Em uma delas topamos com uma tese acabada de como a cultura divergente do brechó pode ser habilmente cooptada para o coração do mercado, noutra, com volutas douradas e aristocráticas em luta inglória para fundir-se a vestidos-coachella. Mais a frente, nos deparamos com um único par de tênis calculadamente grafitado, pousado como nave alienígena no vácuo high-end da arquitetura minimalista. O que é que o discurso feminista tem de fato a ver com esta roupa de senhora-membro do partido conservador britânico? Indaguei. Diante deste último argumento eu estava quase que satisfeito com o rumo do embate. Mas a coisa ficou mesmo boa quando chegamos na Harrods. Lá dentro, incontáveis figuras vestindo burkas se aglomeravam nos stands de marcas de luxo. Deixei escapar como quem não quer nada: Deve significar algo o fato de que mulheres privadas dos direitos essenciais, até mesmo de definir a própria aparência em público, sejam aquelas que hoje sustentam este mercado. Meu amigo não deixou por menos: Significa que o dinheiro trocou de mãos. Só isso. Não tem nada a ver com a evolução das sociedades ocidentais. Seguimos calados até o Hyde Park para ver a pilha de barris do artista Christo flutuando no Serpentine Lake
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