Um giro pelo Verão 2019
Essa temporada já pode ser oficialmente reconhecida pelas flores. Seja lá o teor de redundância que isso carrega, as flores começaram lá em Nova York e aportaram na Europa costurando Londres, Milão e por fim, Paris — cidade encarregada da missão honrosa de encerrar as apresentações do verão 2019.
Antes das flores, no entanto, outras expectativas estavam no ar para serem confirmadas (ou não). Esta era a estação da estréia de Riccardo Tisci na Burberry, cercada de humores nervosos e desconhecidos, e da estréia de incertezas sobre a iconoclastia de Hedi Slimane à frente da Celine. Era também a temporada da volta inesperada da secular Paul Poiret, contribuindo para o hall das marcas ressuscitadas. E claro, todos os burburinhos e borbotões de diz-que-me-diz surgidos nas salas de desfiles e replicados para todo o mundo.
Remontando agora essas quatro semanas estimadas do mês de Setembro, é possível dimensionar o apreço da moda pelo seu próprio passado. Um pouco antes da semana parisiense iniciar, chegou a notícia de que o grupo LVMH estava trazendo de volta a Jean Patou, marca célebre da década de 1910. No line-up dessa semana, desfilava outra marca lançada em 1900, a Paul Poiret, que teve seu apogeu no pré-guerra apoiada pela liberação de silhuetas que rejeitavam o espartilho. A marca retorna sob efeitos de uma estética depurada e hiper feminina, em delírios revisitados de Poiret. Nos últimos cinco anos, marcas importantes para história da moda como Vionnet e Schiaperelli também retornaram a cena.
Mas a afeição pelo passado nessa temporada foi além. Vindo de temporadas sucessivas em que o sportwear atingiu o ponto de saturação, olhar para a história soou estratégico. E potencialmente novo. Na Louis Vuitton, esse referencial é claro. Para quem já misturou rococó com athleisure, a moda de Nicolas Ghesquière dessa vez uniu mangas elisabetanas a uma silhueta tão refrescante e enxuta que pareceram criadas na mesma década. O futurismo-pretérito do designer foi um dos grandes acertos da temporada e motivo de elogio para os rumos que a Vuitton tem tomado.
Outros dois designers também definiram suas bases identitárias pela história. Pierpaolo Piccioli está a cada estação se aproximando mais da essência da Valentino. E tem feito isso de forma inteligente, esterilizando a noção luxuosa deixada por Garavani e encontrando na simplificação das formas, a nova feminilidade da marca. O mesmo para a Mugler, que estreiou novo designer. Casey Cadwallader caiu de cabeça no arquivo da marca e levantou antecedentes tão engajados com o fundador quanto com o do último diretor, David Koma. O resultado é uma moda inclusiva, com vários sotaques a respeito das diversificações da feminilidade.
O raciocínio foi seguido por Riccardo Tsici na estréia da primeira coleção dele para a Burberry. O respeito ao legado da marca, arriscadamente, pode ter causado certa frustração em quem esperava um ato de rebeldia pelo histórico do designer. Tsici fez exatamente o contrário: criou uma estética clássica e revisionista que se detinha aos detalhes como pontos de fuga para as tendências ou experimentalismos. Uma jogada curiosa, na verdade. Entre as exclamações que rondavam o novo comando da Burberry estava a da minimização da ideia de uma marca hiper popular. E foi o que Tisci fez com as novas coordenadas.
Engana-se, por outro lado, quem pensa que só de nostalgia se deu o verão 2019. Enquanto corriam os boatos de plágio da coleção recém apresentada da Moschino e os desdobramentos da compra da Versace pelo grupo Michael Kors, Hedi Slimane tomava os holofotes para si. Do primeiro look ao último, a reação do público era de um completo espanto. A Celine dele não tinha acento no logo, muito menos rastros reconhecíveis do que um dia já foi. A coleção apresentada pela Givenchy, dois dias depois, era muito mais a cara da Celine do que a própria Celine. Mas isso não quer dizer que a coleção foi ruim. Slimane fez o que sabe fazer: jogou o fósforo, a combustão fica por nossa conta.
Os falatórios podem até ter se concentrado entre Hedi Slimane e a colossal praia artificial da Chanel instalada no Grande Palais, mas foi a Balenciaga a responsável por inaugurar uma nova Era, sob a direção do mesmo designer — uma Era pós ele mesmo, pós-Dmna. O que se dizia ultimamente é o que o trabalho de Damna Gvasalia na Balenciaga nada mais era do que uma extensão do que ele faz na sua Vetements. Com a saída sorrateira do esportivo — que o próprio Damna ajudou a propagar — ele recoloca a marca em ponto de ebulição. Na contra-corrente, entrega uma neo-alfaiataria confortável, que subverte o uso clássico, e que é apresentada a público dentro de um túnel tecnológico com a frase: “como a humanidade foi absorvida por isso por tanto tempo?”. O futuro do futuro, pelo menos na Balenciaga, chegou assim.
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