Virada Cultural
Caminhar pelas ruas da cidade brasileira à noite é um perigo que deixa em alerta qualquer cidadão, seja ele safo ou com o mínimo de bom senso. Mas, é coisa tida como possível nas 24 horas de programação da Virada Cultural paulista, e lá estávamos nós, prontos para desfrutar do privilégio. Mesmo assim, entre gritos exaltados, som de garrafas sendo quebradas e os vultos ameaçadores de sempre, misturados na multidão pacífica, não parecia adequado abdicar da tensão. Não me lembro de desejar realmente isso, mas o fato é que tentamos e não conseguirmos ver o Sidney Magal. Avistamos o Jair Rodrigues no telão da República e foi só. Em seguida, subimos a São João até uma pequena praça, onde alguém tocava boa música brasileira ao piano. Ficamos confortados por ali, antes de fazer o caminho de volta e cruzar Madonna, Michael Jackson e Elvis, galeria de covers melancólicos em aparição relâmpago perto da Rua Maria Antonia. Chegando em casa o relógio marcava três horas. No mesmo dia, à tarde, as notícias falavam de um rapaz esfaqueado na São João, quase no mesmo horário em que passávamos por lá. Foi o suficiente para quebrar o encantamento magro que a experiência propiciara. Da longa noite, lembro-me de sequências inteiras e é como se delas faltassem frames: o Edifício Itália se escondendo nas árvores, os carros de polícia dobrando as esquinas, a alegria siliconada dos travestis , a fragilidade hemo se deslocando em bandos, os tatuados fortões, os casais gays, os casais arrumados para a ocasião, as crianças de colo, os idosos e os moradores de rua, todos dançando juntos pelas avenidas, chutando portas e desaparecendo nas zonas mal iluminadas do trajeto. Era o Brasil inteiro se movendo pela malha urbana e ameaçadora. Querendo mais, de verdade, e recebendo tão pouco como sempre. Imagem: fachada de edifício no centro de São Paulo.
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