A feminilidade na política americana
A noite de 18 de setembro de 2020 foi tomada pela lamentação da morte do ícone feminista e progressista Ruth Bader Ginsburg, que deixa um legado de vida extenso como segunda juíza mulher na história da Suprema Corte Americana. A presença dela e de outras mulhers é marcada por artifícios que demonstram autonomia: de jabot, saia ou batom vermelho, elas nos asseguram que não é preciso abrir mão de sinais atribuídos ao feminino para ocupar espaços dos quais fomos tradicionalmente privadas.
Se o congresso e os órgãos governamentais servem à população, eles estão distantes de espelhar aqueles que representam, reiterando o distópico universo da supremacia branca e masculina. Somos encorajadas a nos despir de nossas identidades e nos adequarmos ao status quo. Mulheres devem renunciar ao que é associado ao feminino, mas não ao ponto de parecerem desalinhadas. Um jogo de xadrez que não permite vencedores.
A mera presença de mulheres nestes órgãos já é bastante politizada. Toda roupa usada nos salões governamentais está sujeita à interpretação e ao exame minucioso da imprensa. Não nos é concedido o luxo da neutralidade.
Consciente dessas implicações, Ginsburg utilizou a própria aparência como plataforma de expressão. Por cima da túnica, a juíza usava diferentes jabots ou colares, que, além de feminilizar este uniforme masculino, muitas vezes indicavam sua posição no momento, de discordância ou concordância com a maioria do Supremo.
As limitações no vestuário das mulheres que fazem parte do governo foram, por um tempo, legitimadas através de regras, como a proibição do uso de calças e o banimento de acessórios de cabeça. Após 181 anos, através da luta da representante Ilhan Omar, caiu a última regra de interdição que vetava o uso do hijab dentro destes espaços.
Destaca-se entre as mulheres que têm a imagem dissecada pela mídia, a congressista Alexandria Ocasio-Cortez, comumente chamada de AOC. A mais jovem mulher eleita para o congresso americano é frequentemente atacada pela sua aparência. Na cerimônia de investidura, em 2019, optou por largas argolas douradas e batom vermelho marcante. O look gerou agitação nas redes e o batom logo esgotou em todas as lojas. A congressista também fez referência à Sonia Sotomayor, primeira juíza hispano-americana da Suprema Corte, que foi aconselhada a retirar o esmalte vermelho e optar por cores discretas.
Dentre os motivos para utilizar estes acessórios, ousados para o ambiente governamental, AOC explicou que gostaria que as meninas do Bronx, região que a elegeu e que consiste principalmente de população latina, pudessem dizer que estão vestidas como uma congressista. Sem dúvida, uma importante mudança trazida pela representação feminina. Figuras de autoridade política não devem ser exclusivamente masculinas e sinais atribuídos ao feminino não estão em dissonância com competência profissional.
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