Balneários, roupas, tempo e tédio Parte 01

Balneários, roupas, tempo e tédio Parte 01

13 de janeiro de 2014 Opinião 0

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Um balneário é como um laboratório do ócio, devidamente aparelhado para o exercício do desejo coletivo de amolecer a disciplina, sob o sol de verão. Apesar dos recursos disponíveis e da intenção favorável, fazer nada é uma arte, coisa difícil para quem é treinado na rotina ininterrupta das funções. Ao longo de algumas semanas de férias, o tempo deve ser preenchido com um sem fim de pequenas atividades. O ritual, de espalhar o protetor solar sobre o corpo, engolirá outro tanto. Para os deslocamentos, em vias apinhadas de carros, são guardadas as piores reclamações. Mas o fato é que estes trajetos cumprem a função de desaparecer com outra extensa fatia do longo e calorento dia.

Esta inércia planejada tem sua contraparte: o diligente contingente de trabalhadores, dedicados a tornar possível o gole preguiçoso na caipirinha gelada. Enquanto isso, tilintam as moedas, de várias nacionalidades e procedências. E o dinheiro vai mudando de mãos. Teorias socioeconômicas à parte, um balneário oferece um painel curioso das formas de vestir-se. A julgar pelas dimensões e incidência das roupas, a indústria têxtil poderia apresentar índices de produtividade bem menores nestes meses quentes. Quase que desaparecem os agasalhos e as calças compridas. Mesmo os vestidos longos, anunciados para o verão, são raros. São raros, também, os maiôs. Há uma semana, transitando por praias cheias, contabilizei apenas dois. Provavelmente, estão nas piscinas dos hotéis e nos convés dos grandes barcos brancos, que deslizam suavemente pela baía. O que não tive nem tempo nem vontade de conferir. (Estou de férias, afinal de contas!) Certo é que eles não gozam de popularidade, neste mar de corpos formigando sobre a areia quente.

Voltando aos têxteis, incontestável mesmo é o reinado da lycra. Até os vendedores ambulantes, respaldados por confecções ocasionais, promovem o material. E oferecem biquínis como quem vende milho verde e água gelada. Não muito distante dali, nos centros comerciais, turistas mergulham, voluptuosamente, na sombra dos provadores das lojinhas que vendem artigos fabricados com ela.

Já que todos sabem que biquínis vendem bem no calor, peço desculpas pela redundância dessas informações. A meu favor, posso argumentar que este texto não é sobre novidades. É sobre repetições, ondas que sucedem-se, calor abafado, preguiça após as refeições e certezas reconfortantes que duram uns poucos dias. Surgiu da seguinte ideia: nem férias e nem roupas de verão são boas por que são extraordinárias. São boas porque aproximam-se daquelas que alimentam nosso imaginário, reinventadas sem os atropelos típicos das viagens e sem as asperezas dos tecidos contra a pele tostada ao sol. E trata-se apenas de um texto. Se há alguma expectativa além de que ele preencha este tempo que tenho à sombra, é de que funcione da mesma forma para quem o lê. Não discute-se que sair de férias é algo que todos desejam e que, mesmo pouca e avarenta nas medidas, a roupa é parte crucial deste ritual desacelerado de celebração do mesmo.

Primeira parte do texto Balneário, Tempo e Tédio – Eduardo Motta –  Do livro O lugar Maldito da Aparência, Editora Estação das Letras, SP.

 

 

 

 

 

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