Cópia

Cópia

18 de setembro de 2007 Moda, No Radar 0

A cópia assombra as melhores intenções desde que o mundo é mundo. Foi-se o tempo em que sua reputação ainda oscilava entre a falcatrua e o método didático inocente. Hoje, ela deslizou de vez para a criminalidade. Recentemente, uma matéria na Revista Piauí (edição de junho) sobre as suas investidas no mundo da moda brasileira causou furor. Passaria despercebida, não incorresse no maior dos sacrilégios, o de citar nominalmente os supostos envolvidos. Não há antecedentes desse tipo por aqui. A moda nacional tem história curta, era preconceituosamente desprezada pela inteligência local, e um deserto de discussões circundava o assunto. O que havia de fato era uma rede protetora, eficiente, mas criticamente incolor e comprometida com a evolução de um negócio em formação. A matéria publicada em uma revista alienígena ao circuito foi em outra direção. Do ponto de vista jornalístico, era bem construída, mas a suposta imparcialidade documental mal velava a ironia. O recurso estilístico é bem conhecido no meio, mas, transitando na direção contrária, não agradou. Se a abordagem do assunto era nova, a prática da cópia entre nós, não.

NO PASSADO

Não havia noção de indivíduo, nem de subjetividade. A autoria surgiu só na era moderna, com a Revolução Industrial e a produção em massa, que abriram caminho para a idéia de sujeito, aquele que, a partir de escolhas, configura uma expressão particular. A cópia, que era uma espécie de tributo aos antigos, e não tinha ainda uma reputação tão ruim, a partir daí, passou a ser tomada como falta de originalidade e um delito contra o direito do autor. No Brasil colônia, aprendemos a supervalorizar a cultura alheia, e o historiador Frederic Mauro anotou que o apreço exagerado da sociedade da época pelas roupas estrangeiras “era a marca de um complexo de inferioridade inconfesso e inconfessável em relação ao europeu”. E ele estava certo, pois até hoje não estamos inteiramente livres da face perversa dessa admiração. No final da década de 60, aprendemos a viajar ao exterior para observar e copiar coleções, e foi essa a nossa primeira escola de moda. Foi assim que aprendemos a compor estilos e a discernir níveis de qualidade. Só na passagem dos anos 80 para os anos 90 surgiram as universidades voltadas para o assunto. Além do talento, foram elas o único antídoto à altura para os vícios adquiridos até então.

NA REAL

Copia-se no mundo inteiro, e nós, brasileiros, podemos conservar a auto-estima intacta, já que não padecemos de nenhum estigma irreversível que nos empurre para a prática. Trata-se de uma escolha, portanto. Pode-se afirmar, com razão, que a internet colocou a noção de autoria em cheque, que na música existe o sampler, e, na arte, a apropriação e a referência. Mas o fato é que sem um álibi conceitual, a cópia fere alguns direitos óbvios e nos coloca na companhia pouco sofisticada da pirataria e da falsificação. Nem sempre ela é a imagem do mal. Chanel, por exemplo, ficava lisonjeada, e enxergava um tipo de amor nos seus copistas. Madame sabia muito bem que a cópia era a melhor forma de popularizar sua marca, e é bom lembrar que para a absoluta maioria é ela a única chance de se usar algo próximo de um Balenciaga.

INFELIZMENTE

A tal matéria estava certa ao detectar cópias na moda de primeira linha no Brasil. O chato é que, nesse patamar, se a cópia não é ilegal, é, no mínimo, deselegante, considerando o que as marcas e os supostos autores nessa posição representam para o imaginário (e para o bolso) do consumidor. A moda tem prazo de validade curto e os mecanismos legais de controle1 se tornam desajeitados e lentos em um contexto tão volátil. Talvez nem caiba à justiça, e sim ao público tomar partido nessa situação. Nesse caso, o problema passa a ser inteiramente outro, e trata-se apenas de aprender a seguir três regras básicas: a de atribuir status de autor só para quem é um; valor de originalidade só para o que é realmente original, e, a mais importante delas, pagar preço de cópia pelo que é cópia. E esta deve ser sempre mais baratinha, não é verdade? 1 Na França, foi criada uma entidade que põe freios no apetite dos copistas sobre produtos sazonais, considerando um determinado conjunto de semelhanças.

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