HELEN RÖDEL: O FIO QUE DESVENDA O LABIRINTO

HELEN RÖDEL: O FIO QUE DESVENDA O LABIRINTO

7 de dezembro de 2015 Design, Moda, Opinião 1

Foto: Eduardo Carneiro

Outro dia, uma quinta-feira que deveria ser como outra qualquer, saí de casa para visitar a loja temporária Helen Rödel*. Acabei emaranhado em uma teia de ideias e experimentando um dia incomum.

O termo teia não entra aqui por acaso. Ele é apropriado para falar de alguém que tece, e tece de tal forma que é impossível não ser enredado. Eu fui. Os convidados que estavam lá, também. E certamente o são quase todos que em dado momento se aproximam dos acessórios e roupas feitas por ela. São objetos intrigantes. Arquiteturas que o leigo não explica, folk de um lugar que não existe, eles não entregam de cara o que são. E aí já é tarde demais: você foi capturado.

Embora seja uma das melhores criadoras de moda surgidas no Brasil nos últimos anos, Helen não pode ser considerada um talento novo. O domínio técnico e a articulação deste domínio em um código de linguagem pessoal a deixam fora dessa classificação. Mas há outro motivo para que a associação com o novo não seja prioritária: tecer é atividade antiga. Muito antiga. Tramar os fios amarra pontas em tempos bem distantes deste. Nos mitos gregos, por exemplo.  São muitos os que conectam a mulher à tecelagem. Um dos mais contundentes é o de Filomena. Ela é violentada por Tereu, seu cunhado. Para que ela não revele o fato, ele lhe corta a língua. Resta a Filomena a arte de tecer e ela tece um tapete com a narrativa do ocorrido. Tereu é punido. O fio tecido é o que desvenda o crime, Filomena e a irmã se transformam em pássaros.

Mesmo agora, quando tecer não é mais atributo de gênero, nem frequenta drama de divindades, é pertinente olhar para o trabalho da Helen pela história simbólica da tecelagem. Afinal de contas, é o passado das coisas o que melhor explica sua vinculação com o presente. Diante destes vestidos, blusas, bolsas e colares -tão urgentes e contemporâneos- outra associação que me ocorre é com Louise Bourgeois, aracnídea de fina estirpe. Em texto sobre ela Paulo Herkenhoff** escreveu:

“É da potência da teia oferecer-nos acolhida ou enredar-nos como uma presa.”

Bourgeois, por sua vez registrou sobre tecido a seguinte frase:“Art is a garanty of sanity.”

Helen Rödel usa o fio para tecer, ponto a ponto a própria sensibilidade (tomo a liberdade de associar sensibilidade com sanidade). É da mesma forma, reparando nossas conexões com o sensível, que ela aponta um caminho para fora do labirinto em que boa parte da moda atual se meteu. Ela escolhe preservar seu trabalho dentro de princípios luminosos. .. um elo perdido entre o passado e o presente… amparado na valorização do humano. É o que diz o material de divulgação sobre as tramas que nos enredam duplamente. Com fios e significados elas não nos deixam esquecer que moda, apenas como negócio, não é mais que outra forma de ilusão.

*Helen Rödel é gaúcha e criadora de roupas e acessórios com técnicas artesanais. crochê e tricô basicamente. Conduz sua marca de maneira particular, à margem da histeria do mercado, mas em saudável e produtiva relação com ele e com as pessoas que admiram o trabalho que ela faz. Não são poucas. Espalham-se pelo Brasil e por outros países.
Saiba mais acessando
http://www.helenrodel.com.br/home/#limited-edition
**Paulo Herkenhoff é curador e escritor. Atualmente é diretor do MAR-Museu de Arte do Rio. Já foi curador do MOMA, NY, e da Bienal de SP.

Sobre o autor

admin:

1 Comment

    Compartilhe a sua opinião!

    Seu e-mail não ficara público. Campos requeridos estão marcados com *

    Deixe um comentário