Milão muito além da Fashion Week
A esta altura a rodada semestral de semanas de moda já acabou. Mesmo Paris, que arrematou o percurso e é a última de quatro, já virou aquela estranha espécie de “passado que ainda está por vir”, paradoxo que só a moda é capaz de criar com tal intensidade. De toda forma, retorno a Milão, a terceira fashion week da fila, em busca de um ponto de vista sobre as afirmações que celebram o seu renascimento ou declaram seu óbito.
Nem de longe esta é uma discussão fresca. Tenho aqui agora na minha tela artigos desde 2014 nos quais ela falece ou ressuscita uma dezena de vezes.
Diz-se que alguns capos da moda italiana patrulham com tal ferocidade seu território que afugentam novos talentos. Teria sido dessa forma que inviabilizaram a quota de renovação geracional que a moda exige. A chegada de Carlo Capaza à direção da Camera Nazionale della Moda -um articulador competente- e do talentoso Alessandro Michele à direção criativa da Gucci criou contraste tão evidente com este quadro que o alarme soou. Escolhi dois personagens exemplares, há outros, obviamente, e a cronologia é mais difusa e os fatos mais abundantes. Sem falar que a figura grandiosamente disruptiva de Miuccia Prada sempre rearranjou a cena local e a global. Também não vou listar indicadores que apontam para baixo quando se mede a semana em prestígio e capacidade de gerar negócios.
Salvo exceções, a moda italiana é formatada para reiterar tendências existentes. O rompimento de paradigmas sejam eles geracionais, estéticos, produtivos, de negócios ou a associação com temas caros a novas gerações é matéria escassa por lá. Esforços isolados e talentos singulares não bastam para virar o jogo, a questão é cultural e estrutural.
O recente desfile transnacional da Dolce & Gabbana foi uma tentativa gritante de enfrentar este quadro. Na passarela, uma amostra do que seria a macro rede social da marca, com direito a astro musical do youtube, millenials e celebrities de várias partes do mundo. Ótimo espetáculo. Ao final, diante da mistura de contemporaneidade com fundação barroca a sensação de dejá-vu é quase inevitável.
É fato que os italianos estão se organizando para enfrentar as ameaças de envelhecimento precoce. Giorgio Armani é um que tem franqueado o acesso de criadores jovens financiando programas de incentivo a talentos no modelo adotado desde sempre em Londres. Outro lance na linha do planejamento estratégico para conter a asfixia da cena local, assim como os esforços de Capaza.
Apesar da turbulência, a semana italiana ainda é um peso pesado. A Mercedes-Benz levou seu International Designer Exchange Programme de Londres para Milão este ano. Também há uma corrente de iniciativas voltadas ao intercâmbio com a cena asiática.
A joia mais visível dessa coroa é Michele à frente da Gucci. Mas ele está amparado por um esquema poderoso na hora de reger sua ópera de mil timbres e tons e seguir suas próprias regras, não as da moda, como ele diz. Outros talentos jovens estão entrando no jogo com boas chances. Caso eles se confirmem como tal e as políticas de abertura avancem as coisas devem correr bem. E lentamente. Não de acordo com o sobe e desce das estações.
Entre os novos talentos vale tomar nota de Abesser, Stella Jean, Francesco Risso, que vem da escola da Prada e assumiu a Marni, Sara Bataglia, Fausto Puglisi, Massimo Giorgetti na MSGM, Lorenzo Serafini na Philosophy, Fulvio Rigoni na Ferragamo.
A moda made in italy é sustentada por uma cadeia bem coordenada. Envolve desde o ensino voltado para o mercado até uma cadeia de fornecimento própria. De forma geral foi forjada com base no produto e em técnicas integradas de pesquisa e desenvolvimento desdobradas em técnicas de persuasão e marketing. Ela serviu de modelo para a moda conforme ela se organizou entre nós, no passado e no presente. Italianos estão na origem da nossa indústria têxtil, e nas regiões brasileiras em que a moda brasileira é mais industrializada, São Paulo e o sul.
Os italianos também nos ensinaram sobre modelos industriais e de gestão de negócios. As boas tetas da mama alimentam nosso aprendizado estético desde o final dos anos 70, quando profissionais brasileiros da área de criação começaram um ciclo épico de viagens para lá. O decorativismo da moda italiana, não é apenas primo do nosso: é irmão dele.
Deve ser por isso que prestamos tanta atenção nos altos e baixos dos fratelli. E deve ser pelo mesmo motivo que engrossamos o coro quando ele começa a cantar outro suposto renascimento ou a morte dessa fonte provedora. Para o Brasil, a sensibilidade aos dramas da semana de moda italiana não é apenas uma inquietação quanto a negócios: é assunto para seções de análise. É passional. E ‘una cosa di famiglia.
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