Moda, opiniões e a água fria do corporativismo

Moda, opiniões e a água fria do corporativismo

3 de junho de 2015 Opinião 0
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Saint Laurent

Gente muito jovem vinda das escolas, e supostamente destinada a ajudar a compor uma massa pensante dentro da cadeia, passou a disputar espaço rentável e acrítico no setor, grande parte aderindo à nova profissão de blogger ou engajando-se em equipes anônimas de grandes marcas. Sintomaticamente, textos sobre moda nos últimos anos transformaram-se majoritariamente em textos de serviço. A imprensa profissional, inclusive, criou tamanha couraça de proteção para o setor, e para si mesma, que a sensação, às vezes, é de que já não resta mais nada a dizer a respeito de moda que algumas poucas frases publicitárias. No meio de tanta notícia insossa, alguns artigos e entrevistas publicados nos últimos tempos, entretanto, estão pegando outra via e apresentam batimento diferente.

Jogando água fria nas alardeadas práticas transdisciplinares o designer Marc Nelson afirmou recentemente que a maioria dos designers e arquitetos não tem a menor ideia sobre moda e que as parcerias entre estas áreas “São quase sempre mal sucedidas.”

No final de 2014 Olivier Theyskens desencorajou jovens talentos a tentar estabelecer marca própria. Segundo ele o mercado está saturado e desfiles de novos criadores em New York, por exemplo, “Mal conseguem preencher a terça parte dos lugares disponíveis.”

Li Edelkoort, a profissional celebrada como a de maior acesso ao futuro que a moda nos reserva, disse que a moda como conhecemos não vai existir mais. “A moda é insular e está se colocando fora da sociedade, o que é um passo muito perigoso“.

Ela desancou o modelo vigente prevendo um encolhimento tão radical que restaria à alta costura, com seu limitado campo de atividade e público, o protagonismo nos tempos que estão por vir. Ainda de acordo com ela “O fast fashion é um sistema inconsequente e está com os dias contados.“

Se boa parte destas declarações não são novidade (todo mundo sabe como o fast fashion sustenta seus preços e ritmos!) porque será que previsões como as de Edelkoort atraem tanta atenção? Minha teoria é que é raro ver profissionais emitindo opiniões realistas sobre o setor que lhes dá sustento.

As mais duras declarações vêm do Brasil e tem a assinatura do fotógrafo Marcio Madeira. Profissional de experiência internacional em um nicho muito específico e poderoso, a fotografia de desfile, Madeira usa um tom praticamente inexistente no meio. Bate forte e sem dó ao afirmar que “As semanas de moda brasileiras estão falindo” e que a imprensa de moda no país é “deprimente”. Tudo é pasteurizado hoje, não há lugar para estilistas brilhantes, as modelos são monótonas e idênticas, é o que ele diz.

Com estes e outros golpes ele e Edelkoort aparentemente nocauteiam o sistema do qual se alimentam. Mas será que é isso mesmo que eles estão fazendo?

Nos últimos anos, no ambiente esterilizado das opiniões comprometidas, o nível de confiança e interesse do leitor baixou consideravelmente. Paralelamente, a visão da moda como provável plataforma para novas ideias e comportamentos, encolheu, e a noção de que ela poderia oferecer respostas para essa geração idem. A questão não é apenas nacional. Dries Van Noten, um criador que se mantém no controle da sua marca e das próprias ideias, já afirmava em 2011. “A lot of collections are purely designed for marketing reasons.” A moda global tornou-se essencialmente corporativa e as grandes corporações tendem a se proteger inibindo a independência das opiniões.Por outro lado, no momento, estão abertas algumas portas para quem pensa contra a corrente. Cabe a eles reavivar o enfraquecido interesse pelo assunto e é desta janela, felizmente, que se valem Edelkoort, Madeira e outros profissionais da área. Seja como for, no Brasil particularmente, o sistema da moda parece estar aprendendo só agora que nem todo o crescimento pode ser engendrado por estratégias de marketing. É preciso ouvir argumentação contrária, admitir erros, expor fragilidades. Já era hora.

 

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