MÓRBIDA SEMELHANÇA: A MODA E O HORROR
No começo do documentário The September Issue, a diabólica editora-chefe da Vogue americana, Anna Wintour, esboça um olhar direto para a câmera e, com um leve prenúncio de sorriso sarcástico iluminando o canto do rosto, lança: não sei… há algo na moda que deixa as pessoas nervosas. De fato, a moda e o horror sempre dividiram espaço na barriga de uma mesma mãe: a arte de impactar pela imagem.
Desde a revogação de padrões de beleza, passando pela inquisição de estilo do você-está-in-ou-você-está-out até os desfiles-exorcismo criados por alguns estilistas contemporâneos, a moda vem utilizando calafrios e choques como vias de comunicação. Parece que é necessário desfibriladores potentes e doses grandes de espanto para realmente fazer as transformações acontecerem.
No início da temporada de primavera-verão 2018, muitos fashionistas arrepiaram os cabelos com a coleção psycho de Raf Simons — sua segunda para a Calvin Klein. Luvas de látex, vestidos de saco plástico preto à lá necrotério e casacões com manchas de sangue deixaram claro suas inspirações nos clássicos do terror.
Na Marco De Vicenzo e na Undercover, as referências foram ao nível explícito. Ambas as marcas fizeram interpretações do cult inveterado de Kubrick, O Iluminado. Na Undercover, todas as peças da coleção foram apresentadas por modelos de mãos dadas, gêmeas como as personagens do filme.
Não é a primeira vez, claro, que a moda recorre ao sobrenatural para construir imagens fortes e desfiles-espetáculo. Alexander McQueen que o diga. O gênio rebelde encerrou um desfile, em 1998, com uma modelo mascarada em trajes vermelhos em um círculo em chamas, altamente ritualístico. Levou a passarela, em 2001, um carrossel abarrotado de palhaços perturbados e melancólicos. E em 2007, fez uma homenagem às bruxas que morreram inocentemente durante a inquisição inglesa no século XVII.
No entanto, o flerte com o horripilante não para por aí. E já que estamos falando de história de moda e horror, como esquecer o Papa carcomido e fantasmagórico de John Galliano no desfile de alta-costura da Dior, em 2000? E a obsessão pela caricatura dúbia dos palhaços que retornaram as passarelas, em 2014. no desfile de primavera de Thom Browne — que deu às infelizes criaturas um tom mórbido e matrimonial? Em seguida, eles partiram para a passarela de Gareth Pugh, na primavera de 2016, com aspecto ainda mais psicótico.
No Brasil, o lado sombrio da moda foi acolhido por Lino Villaventura, na coleção de outono 2013, manifesto em criaturas da noite em trajes quentes e possivelmente saídos de uma versão funesta dos contos de fadas dos Irmãos Grimm.
No cinema, em 2016, a beleza do horror foi canalizada no thriller psicológico do dinamarquês Winding Refn, Demônio de Neon. No filme, em tomadas plásticas, o universo da moda é entregue em uma bandeja de vaidades que é rapidamente devorado por modelos obcecadas e canibais. Metáforas a parte, é uma boa reflexão sobre o submundo não mencionado da área.
Na televisão, em 2015, Ryan Murphy deu a Lady Gaga, na quinta temporada de American Horror Story, o papel de uma Condessa fashionista que corta o pescoço de seus desafetos com uma luva salpicada de cristais swarovski e vestindo o melhor da Alta-costura.
E para fechar essa lista perniciosa de entretenimento, não podemos deixar de falar daquele que está sempre presente no imaginário de qualquer amante de moda e terror: Os Pássaros de Hitchcock, com figurinos desenhados pela icônica Edith Head.
Se mesmo assim, você ainda não souber o que vestir nesse Halloween, que tal pegar aquela velha capa branca Martin Margiela no seu guarda-roupa, fazer alguns furos na altura dos olhos e sair por aí? Prometo: ninguém ousará dizer que você está fora de moda — ou corre o risco de ter seus pés puxados durante a noite.
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