Notas desconcertantes

Notas desconcertantes

28 de janeiro de 2010 Crônicas, Moda 0

Terminada as semanas de moda, não restam apenas os balanços das tendências, as listas dos melhores e as previsões de negócios. Ficam os acontecimentos que desafiaram expectativas e alteraram padrões. Eles incomodam, mas também corroboram o fato de que a moda é um terreno complexo, com muitos mais veios comunicantes com as inquietações da cultura em geral do que normalmente se pretende.

Isso pode?

A presença dos patrocinadores em um desfile de moda segue regras que se consolidaram ao longo do tempo, e que não estão descritas em nenhum manual de comportamento público. Na real, estão sujeitas apenas a acordos entre marcas, organizadores e empresas financiadoras. Ganharam uma forma adotada como ideal e, quando as luzes se apagam, estão lá os discretos sinais luminosos atrás dos espectadores, e a batelada de folders, releases e brindes, devidamente acomodados dentro de sacolas sobre as cadeiras. Os presentes assistem a um vídeo curto que inclui material de propaganda e isso é tudo e é mais que suficiente. Nesta edição da SPFW, a marca Carlota Joakina cruzou esta barreira e colocou o carro de um patrocinador na boca de cena do desfile. Não foi difícil justificar a medida por uma associação com o tema da coleção, nem é complicado entender o interesse em valorizar a parceria financeira. Entretanto, abre-se um precedente capaz de influir nestes formatos civilizados (e esta conotação aqui faz sentido) de apresentação. É verdade que este não é um caso isolado, mas atiça uma indústria com apetite feroz por espaços publicitários e é possível prever situações desastrosas de atuação marketeira, se a moda pega. Certo ou errado, não é o caso, mas despercebido não passa, e elegante não é.

 

Magras demais?

Reacendem as discussões em torno do padrão de massa corporal a que estão submetidos os corpos das garotas que apresentam a moda. De belas a vítimas esquálidas de uma perversa distorção estética, as modelos estão no centro de uma acalorada batalha. Há poucas chances de uma mudança repentina. A propaganda é magra, a beleza é magra e a humanidade contraditória: hoje o mundo exibe o maior número de obesos da história e todos querem ser magros. A urgência do tema, com implicações dramáticas, envolvendo patologia e mortes, fez dele um dos mais comentados do circuito, mesmo assim, nesta temporada de moda brasileira, algumas garotas pesavam menos que em edições anteriores.

 

Fora de contexto?

Em um terreno onde os produtos são apresentados por profissionais de biótipo semelhante, e o público em torno assina em baixo, a visão de outros corpos, radicalmente fora dos padrões celebrados, não é uma experiência corriqueira. Não se trata de levar gente comum, ou de certa idade, ou fora do peso considerado ideal para a passarela, como já foi feito, mas de apresentar um garoto de 11 anos com paralisia cerebral cujo corpo não tem estrutura óssea para se sustentar. O coletivo OEstudio trouxe esta imagem forte para o desfile-vídeo e abriu uma fenda nos códigos de representação do corpo em um evento do gênero.

 

Insolúvel e impertinente

No desfile estranhamento de Ronaldo Fraga, nem a roupa, nem o corpo tem frente, costas ou gênero, e o espectador não deve se prender a apenas uma referência, pois o que ele vê ali, não se trata só de moda, nem de belo, nem de feio. Para apresentar roupa masculina, Alexandre Herchcovitch soltou representações assustadoras da morte na passarela. Marcelo Sommer, um criador de imagens que sofrem de alegria como sofrem de acidez e melancolia, maltratou as roupas o quanto pôde, até ficarem surradas e tristes como as dos personagens de Charles Dickens. E colocou os amigos para andar com dificuldade sobre um piso instável e sombrio de carvão. A Reserva adotou um tema faca de dois gumes: o desejo de um anônimo, que saiu da obscuridade, de preservar a fama a todo custo. No seu sistema de exibição, a moda se presta a questionamentos sobre si mesma, seus códigos, suas destinações. No momento seguinte deve integrar e promover o sistema que põe em xeque, expondo sua mais antiga e insolúvel contradição. Isto não invalida o fenômeno que ela é. Apenas o torna mais agudo, falível, rico e desconcertante.

 

Dois neurônios

Enquanto rolaram os desfiles no prédio da Bienal, o Zigue Zague, já na sétima edição, acontecia no edifício do MAM, que fica bem ao lado. Ali, a moda entrou em discussão na visão de profissionais da área e de pensadores vindos das universidades. A grosso modo, o que sustenta o SPFW é a roupa, e o que sustenta o Zigue Zague é o pensamento. E, não precisa ter mais de dois neurônios, para saber que ambos são estados de uma mesma coisa. Apesar de iniciativas como estas terem tudo a ver uma com a outra, ouvir profissionais afirmando que, na moda, mais de um (neurônio) atrapalha, é uma bobagem recorrente. Do outro lado, escutar antigos preconceitos acadêmicos não é coisa rara. Estes são sintomas de como as partes não se juntam nem se reconhecem perfeitamente, e de que o sistema da moda ainda não opera com toda a potência das partes que a tornam possível. Cada macaco no seu galho? Nada disso. Pura imaturidade de uma cultura ainda em formação.

 

Classe trabalhadora

Jesus Luz é um nome canhestro, mas poético, típico das classes devotas e trabalhadoras do Brasil. É também o nome do namorado da Madonna. Não há como não embaralhar uma coisa e outra, e o garoto de biótipo latino, modelo e aspirante a DJ aterrissou na SPFW com status de celebridade máxima. A mídia caiu em cima, o que é normal. Triste foi o fluxo de bobagens que alimentou a fervura das informações inúteis. É óbvio que escrever sobre ele atrai leitores e os muito desejados acessos. E, cá estou eu fazendo o mesmo. Porém, destilar preconceito ainda é feio (ou não é?). E engrossar o discurso dos desapontados, como se não houvesse celebridades decepcionantes aos montes por aí, soa falso, afetado e bobo. Esperavam o quê? Não tem raio de luz em torno da cabeça do rapaz, nem a mulher famosa fica plantada ao lado dele todo o tempo. Relaxa minha gente, e deixa o moço trabalhar. Jesus Luz é apenas o nome de mais um modelo profissional.

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eduardo:

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