O destino das roupas
No ultimo mês de agosto, a indústria automobilística comemorou um recorde historico de vendas: meio milhão de novos carros foram vendidos e chegaram às ruas das cidades brasileiras. Ótimo, com esta cifra o dinheiro gira, muita gente dribla o martírio do transporte coletivo e o país segue adiante, se sustentando bem no espinhoso ambiente da economia global. De toda forma, não pude deixar de pensar no paradoxo deste modelo de desenvolvimento, imaginando o impacto destes milhares de veículos no caos insustentávelo do trânsito urbano.
Produzir coisas indiscriminadamente até ser afogado por elas é um fantasma contemporâneo. Ninguém pensava no assunto no tempo em que o fordismo inchava de automóveis, empregos e dinheiro os Estados Unidos e por extensão a economia global. No entanto, no contexto atual, apesar das facilidades e delícias que ele pressupõe, o carro individual dificilmente pode ser avaliado como algo mais do que um mal incontornável. O automóvel que transporta apenas um indivíduo não é o único exemplo de projeto com prazo de validade vencida, também não é o responsável isolado pelo lixo que inunda o planeta. Nossa relação com ele e com outros objetos que atulham nossos espaços é que padece de incurável dependência, e nem a estridência do discurso ecológico conseguiu, até agora, rimar a experiência da satisfação individual com idéia de sensatez coletiva
Agora, em outubro, dois meses depois, estamos prestes a assistir a mais uma edição de lançamentos da moda nacional, e é a hora e a vez da roupa se tornar o objeto aspirante ao milagre da multiplicação industrial. O impulso de imaginar onde todas elas irão parar no futuro foi irresistível. Qual será o papel de tantas novidades no atulhamento geral, me perguntei, mas a aflição logo passou. Dependuradas no armário, esquecidas no fundo das gavetas, suspensas no cabide do brechó, ou mesmo transformadas em prosaicos panos de chão, parece haver sempre um destino aceitável para elas no disputado metro quadrado planetário. Acho que é melhor me ocupar de outra coisa que perder tempo calculando o espaço que as roupas irão ocupar, um dia, no lixo global. Por enquanto, empurro mais os cabides para a direita, comprimindo a dúzia de casacos que nem usei neste inverno que chega ao fim.
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