O QUE A MODA MASCULINA OFERECE PARA O FUTURO?

O QUE A MODA MASCULINA OFERECE PARA O FUTURO?

15 de fevereiro de 2016 Colunas, Moda, Opinião 0

 

John Varvato Menswear

John Varvatos Menswear

Falar de moda masculina hoje em dia é refletir sobre as mudanças culturais e comportamentais que cercam os homens e seus modos de vestir e de se relacionar, tanto entre si quanto em sociedade. A moda talvez não seja mais masculina ou feminina. Ela é para todos. O gênero/sexo deixa de ser símbolo de segmentação e divisão para ser um ponto em comum e de proximidade entre homens, mulheres e todas as demais classificações entre eles. É por isso que ao refletir sobre moda masculina hoje não é somente de roupas que falamos.

Atualmente, os looks com referências esportivas e urbanas são mais relevantes do que os bons e velhos ternos. Não que o terno e a boa alfaiataria estejam saindo do guarda-roupa do homem contemporâneo, eles estão apenas deixando de ser protagonistas, reservados àquele canto onde se guardam as roupas a serem usadas apenas em ocasiões específicas.
É por essas razões e outras que, para se analisar uma determinada coleção de moda, é preciso lembrar que a moda além de permitir que nos adaptemos ao ambiente ela também reflete o seu tempo. Em períodos tão instáveis como o que vivemos, com ameaças terroristas, guerras civis, extremismo religioso, imigrações em massa de refugiados chegando à Europa, fatores aliados a uma economia turbulenta, é previsível que a moda responda com roupas inspiradas em temas militares e que transmitam a sensação de segurança e proteção. Também é previsível que semanas de moda, como fez a de Milão, em meio à crise das identidades de gênero e as transformações da masculinidade, busquem, através da moda, se apoiar nas certezas de estereótipos do passado, como pode ser visto no grande número de coleções com tema western.
Sorte nossa que existem coleções que buscam alternativas para combater este cenário conservador. Algumas em tom de escapismo, outras inspiradas em David Bowie (que infelizmente se foi tão cedo). Aliás, as homenagens a Bowie nesta temporada merecem comentário especial.
O primeiro grande desfile após a morte de Bowie foi o da Burberry, que prestou sua homenagem através de diversas referências. A tendência já foi nomeada pelos editores como Bowie Mania e também apareceu em Milão no desfile da Gucci, foi à Paris na semana de alta costura, na Maison Martin Margiela e na coleção Jean Paul Gaultier, para depois atravessar o oceano até Nova York chegando aos desfiles masculinos da Siki Im, Public School e em várias outras coleções.
Fazendo um panorama geral vamos começar por Londres, onde Sarah Burton fez um belo trabalho na Alexander McQueen. As roupas – adornadas de talismãs -, os materiais, estampas e comprimentos ora alongados ora curtos – como no fraque vermelho bordado – são pontos altos da coleção. Por lá também a Astrid Andersen manteve a assinatura em que o delicado e o urbano misturam-se ao esportivo com um resultado positivo. Da mesma forma a KTZ que opera em direção semelhante foi bem sucedida. Outras boas coleções ficam por conta de Christopher Kane, Katie Eary, Sibling, Moschino e Christopher Shannon, que trabalharam bem com cores e estampas. Acerto também para o experimental Craig Green com seus redesenhos de silhueta. No geral, as principais apostas ficam em torno do militarismo, cores em tons de neon, além, é claro do apelo extremamente jovem da capital inglesa, traduzido nas texturas, gráficos, no alto brilho e no colorido em tons escuros. Tudo isso reforçando que as linhas entre masculino e feminino estão cada vez mais imprecisas na terra da Rainha.

Em Milão, as propostas para o homem tradicional levam ao faroeste militar, como visto em marcas como Dolce & Gabbana e Antonio Marras. Houve quem não entrasse na onda, como a Calvin Klein, que misturou o minimalismo casual, característico da marca, com tons metálicos e variações de comprimentos. A Cavalli, em busca de renovação com a primeira coleção assinada por Peter Dundas, tentou aproximar-se da Gucci. Difícil dizer se deu certo – é provável que não – mas o importante é ver como o estilo implementado por Alessandro Michele na tradicional marca italiana já se espalha entre outras marcas de renome. Por sua vez, a Gucci fez um belo desfile numa mistura de rococó urbano e retrô, bem característica da visão de Michele, tudo isso misturado com influências infantis, incluindo estampas do Snoopy. Les Benjamin misturou punk com étnico e escapismo surreal trazendo um breath of fresh air para a cidade. O mesmo na Ports, que em cartela sóbria e roupas mais comerciais fez uma ótima atualização para o homem contemporâneo com algumas peças de gênero indefinido. Coleções que cortejam a Ásia também tiveram papel importante em Milão, principalmente na DSquared2. Entretanto, no saldo geral da semana italiana o que mais pode se notar foram marcas tentando reinterpretar clássicos e reforçar o estereótipo masculino típico de Milão.

 

Partindo para a Cidade Luz que nos encanta pela capacidade técnica dos designers de interpretar os pontos chave da estação em boas coleções. A semana francesa surpreende mesmo quando lida com o militarismo/protetor/western que permeia o inverno 2017. Seja no belo trabalho de Olivier Rousteing, na Balmain, na interpretação urbana e agender de Boris Bidjan, como também na desconstrução da alfaiataria da Commes Des Garçons e em tantas outras boas coleções.

No terreno da experimentação e da roupa jovem, a Loewe trouxe mais um trabalho impecável de Jonathan Anderson: é uma coleção chique, contemporânea e que , ao mesmo tempo, lida com o rústico. Ex-alunos da renomada Escola de Moda da Antuérpia (Ann Demeleumeester, Dries Van Noten, Haider Ackermann e Walter Van Bereindonck) nos brindaram com desfiles repletos de belas cores, estampas e materiais em peças bem executadas, além de coleções urbanas e sem gênero como a da Maison Martin  Margiela e a de Raf Simons. É agradável notar como a influência da grande escola da Antuérpia continua presente através das gerações.

Na vertente asiática do Inverno, a Kenzo traz o orientalismo que está em alta, com referências contemporâneas e cores vibrantes, como se espera que aconteça daqui para frente na moda.

 

Encerradas as coleções europeias e passada a semana de Alta Costura de Paris, partimos rumo a mais nova das semanas masculinas, em Nova York. Apenas duas edições ocorridas e a semana ora queridinha dos editores e fashionistas já está incomodando críticos pela falta de novidades e monotonia das coleções. As expectativas eram altas para o restabelecimento do status da cidade. Uma lista extensa de desfiles misturando marcas tradicionais e novas parecia abrir terreno para alguém inovador e ousado se destacar. Entretanto, poucas marcas conseguiram manter o ritmo das boas coleções recém apresentadas na Europa.

As cores eram certamente mais sóbrias e a roupa mais comercial em Nova York. As propostas urbanas lidavam com gênero, como em alguns looks da Chapter, da General Idea e da Siki Im. O étnico, e a gama de aspectos deste universo, ficaram por conta principalmente de Greg Lauren e Gipsy Sport. A Gipsy fez um bonito trabalho de cores, como com o azul eleito pela Pantone para o próximo ano.

Talvez o show mais efusivo de Nova York tenha sido o da John Varvatos. Uma apresentação enorme, em uma espécie de Casa assombrada com toques suburbanos, celebrou o rock’n’roll com referências ao universo de David Bowie, ao movimento Punk, ao CBGB, aos Rolling Stones e ao Led Zeppelin.

De forma geral, o saldo das semanas masculinas foi positivo. Como na última temporada, as coleções estão se aperfeiçoando e nos brindando com opções para vestirmos o que quisermos da forma que quisermos. O novo desenho do homem contemporâneo está em acelerada construção e ganhando espaço no imaginário coletivo, substituindo aos poucos os velhos moldes do passado. É um processo lento, mas com certeza muito interessante e revigorante. O que nos resta agora é observar o desenrolar da história ou pegar carona nessa onda para não morrer na praia.

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