O que vestir quando não há gênero?
Desde que surgiu como fenômeno social, no século XIX a moda divide-se no binário entre masculino e feminino. Alguns teóricos, afirmam que a primeira mensagem transmitida através da roupa que alguém está vestindo é sobre o gênero desta pessoa. Esta divisão da moda em dois é um dos reflexos da divisão da sociedade em dois papéis de gênero distintos e com funções e características opostas, lá na Revolução Industrial. Foi com a Revolução que os homens foram trabalhar fora enquanto as mulheres ficaram em casa cuidando dos filhos e do lar. Boa parte das noções que temos de masculino e feminino surgiram neste período.
Em alguns momentos da história essa diferenciação entre gêneros na moda se torna tão marcante que homens e mulheres parecem pertencer a duas espécies completamente diferentes. Durante muito tempo essa diferenciação funcionou como forma de controle e normatização de uma sociedade baseada na dominação masculina.
Os movimentos feministas, gays, lésbicos e a teoria queer vieram contestar, entre outras reivindicações, esta lógica. “Não se nasce mulher: torna-se uma” é uma das passagens de Simone Beauvoir na luta feminista, por exemplo. Na teoria queer, é a recusa da classificação dos indivíduos em categorias universais, como homossexual, heterossexual, homem ou mulher, que entra em discussão. Em geral, estas teorias questionam os papeis de gênero e as limitações impostas nas suas representações. Um dos possíveis reflexos delas na moda é o unissex que surge para aproximar as roupas do guarda-roupa masculino e feminino. O problema, entretanto, acontece quando esta unidade ofertada e procurada acaba por cair na mesma lógica binarista. Ao buscar um modelo de roupa sem sexo. ou que une os sexos, é no guarda-roupa oposto que se procuram estas peças. O problema do unissex é o fato dele ter se tornado apenas uma feminização da roupa masculina, em que roupas do guarda roupa masculino migram para o feminino. Há pouca relevância, entretanto, quando esta ordem inverte-se. Enquanto a mulher há muito tempo veste roupas de homem, o homem ainda caminha lentamente na direção de vestir roupas de mulher. A lógica do unissex, acaba por reforçar a importância do homem como ideal de humanidade e não constitui um novo nicho do mercado de moda que possa atingir minorias sexuais e de gênero ou até mesmo uma maioria inconformada.
À parte editoriais, desfiles de moda, e marcas alternativas, é raro ver nas ruas, na moda comercializada em larga escala, alguma representação que realmente não siga os parâmetros do masculino e do feminino. As distinções mais óbvias observadas no mercado de moda ainda são relativas às diferenças binárias de gênero.
A distinção de gêneros da moda ainda é um fator marcante mesmo quando a discussão envolve personalidades que expõem intencionalmente essa questão. É caso de Conchita Wurst, que venceu o tradicional Eurovision na última semana. Vários textos e discussões nas redes sociais e na mídia global questionaram o gênero de Conchita. O The Guardian, por exemplo, escreveu: “Conchita foi coroada rainha da Europa, mas ela é travesti, drag queen, mulher barbada, transgênera feminina ou o quê? E isso realmente importa?”
Conchita, que apesar do nome latino é de nacionalidade austríaca, também é Tom, e é um exemplo da diversidade de gênero e outra evidência de como estas minorias tem conquistado espaço nos meios de massa recentemente. Ao mesmo tempo, é também um exemplo de como a moda é importante na hora da escolha de um determinado gênero. Quando Conchita é Tom, a roupa masculina está ali e quando Tom é Conchita é a roupa feminina a escolhida.
Conchita é apenas um exemplo da diversidade de gêneros, poderia citar aqui outras tantas, mas não é este o objetivo. O que é relevante nesta discussão é refletir sobre o que vestir quando não há um gênero definido, ou quando não queremos definir um. Se as roupas em si já carregam significados generificadores e são, afinal de contas, feitas para isso, como é possível a moda contribuir para novas representações de gêneros? Por quanto tempo ainda persistirá esta lógica binarista e generificada da roupa que vestimos? Quem irá revolucionar essa maneira de conceber moda?
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