Obama, Gucci, gênero, Miuccia Prada e contexto
Acordei hoje com a notícia de que pela primeira vez na história americana um presidente citou transgêneros, gays e lésbicas no tradicional State of the Union Address, discurso anual que o presidente faz diante do Congresso. Finalmente! Comemoro, mas não me livro da certeza de que historicamente há uma lentidão abismal entre as políticas e a realidade. Easy, diria o ativista, e ele estaria certo, é assim que o mundo anda: acelerado quando não precisa – a ponto de inventarmos um cobiçado slow life style – e lento feito bicho preguiça quando devia correr atrás do prejuízo.
E a moda, a quantas anda?
É lugar comum dizer que ela anda rápido, mas estou cada vez mais convencido que nestes tempos em que o mercado regula milimetricamente o compasso dela o andamento não é assim como afirmamos. Pelo menos não o da moda “oficial”.
Acordei ontem com o desfile da Gucci, representante perfeita do que chamei de moda oficial, ou seja, um braço comercial de um grande conglomerado financeiro apoiado em um histórico consistente. No desfile que a marca apresentou na temporada de moda masculina, em Milão, outra vez a questão de gênero foi posta em discussão, ou melhor, representada em uma passarela. Mas gênero é uma questão de contexto, disse Dona Miuccia Prada (que também tocou no assunto nesta temporada) e, como o contexto Gucci tem algo a dizer, aí sim a coisa vira assunto e vira discussão. A marca, que já foi uma plataforma da masculinidade italiana, desconstruiu esta imagem e posição em um desfile em que os garotos usavam rendas e laços vaporosos.
No Business of Fashion um artigo comentando o desfile questionou o impacto que estas transgressões de gênero têm sobre a realidade. Eu imagino que o que o autor pergunta é se uma forma de vestir menos heteronormativa realmente acontece na vida real sob influência delas.
É neste momento que começo a pensar que tanto a oferta de moda, como a crítica são lentas e agem como a política. Ou seja só se movimentam sobre terreno seguro. Vale para a Gucci e vale para a matéria no BoF. A esta altura a vida de milhões de jovens ao redor do planeta foi largamente impactada pelas questões de gênero. E não é de hoje. As formas que eles se vestem, recombinando como querem o que o mercado oferece ou comprando de marcas alternativas, idem.
A Gucci fez uma coleção gender bender? Legal. Mas não vamos perder o foco. A marca fez o que fez depois de inúmeras outras. Não está em terreno tão instável assim. Obama idem. Miuccia, que não facilita, nem contemporiza, vai por outro caminho e fica ainda mais sisuda: está interessada em uniformes, declarou. Gênero é uma questão de contexto, como ela bem disse.
Ainda que todos estes acontecimentos sejam de uma lentidão “oficial”, vale comemorar cada um deles.
É o contexto.
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