Entre bons vestidos, soltos e refinados, o Ronaldo Fraga fez de tudo e um pouco mais com a obra do Athos Bulcão, conhecido pelo trabalho soberbo com os azulejos que revestem boa parte da arquitetura modernista brasileira. Ronaldo vai mais fundo, quer o artista completo e amplia o universo conhecido dele. Assim como a gravura do Athos Bulcão é sobre o papel, a pintura é sobre a tela e os azulejos são sobre a arquitetura, os padrões visuais, brilhos, rugosidades, transparências e outros mistérios têxteis da coleção se impõe como uma pele sobre os volumes criados pela modelagem. É uma roupa epidérmica a que ele apresentou ontem na SPFW, deixando as atenções para ela ao aliviar no espetáculo, em sala reduzida e com cenografia de execução complexa, mas discreta.

Em momento dose dupla, Ronaldo era o entrevistado do Roda Viva, programa exibido poucas horas depois de terminado o desfile. No meio da arena televisiva, o estilista desfiou sua conversa, estabelecendo as conexões que a moda tem e que a maioria dos espectadores desconhece. (Os entrevistadores inclusive.) O Ronaldo está em um lugar privilegiado hoje, tanto em função da moda que construiu quanto pelas idéias sobre o assunto. No primeiro caso, o lugar é só dele, partilhado por quem gosta da roupa que ele faz, e instalado com propriedade e idiossincrasias onde costuma vencer a pasteurização. No segundo, ele assume uma voz pública que ajuda a redimensionar o entendimento do papel da moda dentro da cultura nacional. Constrói pontes sobre um rio de obscurantismos entre a moda que é indústria e comércio e a moda que é  fenômeno que impacta a cultura e é objeto de estudo e reflexão. Que o Ronaldo Fraga que é de comprar e usar, é também de pensar, já era sabido. Mas ele tem mais espaço e experiência a esta altura da carreira. E isso muda tudo. O aturdido time de entrevistadores que o diga. Imagens: Agencia Fotosite.