SMOGCOUTURE: poluição e mercado na China atual
A pessoa que “vê” o ar (sim, o ar é visível) de uma das grandes cidades chinesas imediatamente começa a torcer para que a teoria do aquecimento global não seja verdade. Infelizmente esse não é o caso e a poluição se constitui em um dos maiores, senão o mais crítico, desafios da China na atualidade.
A China é fantástica em muitos aspectos: a cultura, as pessoas, o crescimento econômico, a gastronomia, a arte contemporânea e a enorme profusão de coisas novas, interessantes e sempre em grande escala. O país cresceu muito e rápido demais. A sensação (e boa parte da realidade) é de que tudo o que existe em termos de economia surgiu nos últimos 20 ou 30 anos. Foi quase instantâneo e algumas coisas ficaram para trás. O meio ambiente é um desses casos em que o mindset ainda não chegou ao século XXI.
Dizer-se que a degradação ambiental é um preço que a China está pagando por seu desenvolvimento não é de todo errado, mas parte da ideia de que existe algo que pode ser pago. Quando falamos em meio ambiente, porém, não há preço, apenas consequências. Convenhamos, o que não faltam são consequências visíveis até ao menos consciente dos viajantes: smog, rios que borbulham, ausência da ideia de separação do lixo, tudo aliado a um consumo desenfreado (assunto sobre o qual já tratei no post “Mudanças estruturais no Comportamento de Consumo da China“
A China é, desde 2007, a maior emissora de gases causadores de efeito estufa, ultrapassando os Estados Unidos, muito embora tenha um PIB consideravelmente menor (especialmente o PIB per capita). Ao mesmo tempo, consome metade de todo o carvão mineral extraído no mundo. Este carvão, queimado principalmente no norte do país, fornece 70% de toda a necessidade energética da China. Isso tudo faz com que, dentre as 20 cidades mais poluídas do mundo, 16 sejam chinesas e a expectativa de vida tenha diminuído 5,5 anos na região norte devido à poluição do ar e contaminação da água.
Os problemas, evidentemente, não se limitam ao carvão. As práticas agressivas se replicam em praticamente todas as demais áreas. Setores críticos como a agricultura, por exemplo, representam uma grande ameaça às reservas hídricas. Estima-se que, atualmente, 60% das águas subterrâneas chinesas estejam contaminadas.
As pressões externas e internas sobre o governo tem se intensificado. O primeiro-ministro tem constantemente falado dos desafios da China em relação à degradação ambiental. No entanto, o Estado chinês, que se mostra poderoso em relação a inúmeras outras questões, parece não ter a mesma força quando se trata de preservação ambiental. De fato, as políticas ambientais são de difícil aplicação a nível regional, pois as autoridades usualmente mantêm incentivos econômicos, ignorando as ameaças ambientais.
Lançado em março, o documentário Under the Dome (https://www.youtube.com/watch?v=T6X2uwlQGQM&t=27) trata da poluição de uma perspectiva direta e alarmante sobre os custos para a saúde e para a sociedade provenientes da degradação ambiental. Em apenas uma semana, foi visto por mais de 100 milhões de pessoas (tudo na China é em grande escala), gerou discussões por todo o país e, claro, foi tirado do ar. Sabe-se que a China tem um dos mecanismos de censura on-line mais sofisticados do mundo. O governo mantém um controle intenso sobre o que pode ser publicado, especialmente conteúdos vistos como potencialmente prejudiciais ao Partido Comunista.
Enquanto as grandes transformações não surgem, a sociedade começa a dar sinais do quanto a devastação é impactante. Dado o grande número de cidades que sofrem problemas de poluição, o mercado potencial para máscaras para filtrar o ar é – infelizmente – enorme. E tem crescido a olhos vistos. Entre as marcas mais procuradas está a 3M, cuja garota propaganda é a atleta e estrela Liu Xiang. Um gerente da marca em Xangai confirmou que as vendas de máscaras têm aumentado dramaticamente, mas se recusa a dar números temendo que isso possa constranger o governo central.
As principais exigências dos consumidores em relação ao produto é de que sejam confortáveis e eficientes. Os estilos são muitos, além das brancas, básicas, as máscaras estão disponíveis em cores cítricas, em estampas diversas, em tecidos nobres e existem até modelos cravejados com cristais.
As passarelas também já refletem essa procupação com a poluição e a peça já é considerada um ítem de estilo. Chi Zhang, Masha Ma e Yin Peng, da QIAODAN estão entre os estilistas chineses que já desfilaram este item, hoje uma peça fundamental na vida dos chineses.
Apesar da resistência do governo em firmar um acordo restritivo a respeito das emissões de gases do efeito estufa – indício de que a prioridade é fazer crescer a economia a qualquer custo – a China detém a maior fatia de mercado dos investimentos em energia limpa em nível mundial. Em 2009, os recursos aplicados pelos chineses nessa área ultrapassaram US$ 35 bilhões, quase o dobro da quantia investida pelos EUA (US$ 18 bilhões). A energia eólica conta com generosos subsídios governamentais, uma das iniciativas destinadas a aumentar a participação das energias renováveis para 20% da matriz energética do país até 2020.
É inegável que, quando a sociedade chinesa se une em relação a um objetivo comum, as mudanças acontecem em uma velocidade impressionante. Esperamos que uma mudança cultural em prol do meio ambiente venha o quanto antes. A situação atual está colocando o país à beira de uma catástrofe.
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