CRÍTICA E JORNALISMO DE MODA

CRÍTICA E JORNALISMO DE MODA

7 de abril de 2016 Moda 2

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Dia 08 de abril, em São Paulo acontece um encontro destinado a pensar as práticas e fundamentos do jornalismo de moda no Brasil.

Acionados pelo Ministério da Cultura, entre os objetivos destes encontros estão a identificação, a revisão e a possível reformatação dos modos de relacionamentos da moda com a cultura e a sociedade brasileira. De maneira que a moda não trafegue como um fantasma pelos vãos da cultura sem que se tenha sobre ela um pensamento amadurecido e um conjunto, por mínimo que seja, de políticas definidas como necessárias para a sua existência.

O setor está muito bem representado pela Kathia Castilho, sócia da Editora Estação das Letras, uma das realizadoras do Colóquio de Moda, autora de livros e ideias  que ajudam o país a pensar melhor o assunto e professora de alunos que se tornaram mais talentosos no convívio com ela.

Prestes a embarcar para a reunião, a ferocidade da observação do Lars Svendsen que afirma que parte do jornalismo opera como extensão do departamento de marketing das marcas me atormenta nessa hora.

Busquei um texto de 2013 para compartilhar algumas ideias a respeito da escrita sobre a moda neste quadro complicado em que a necessidade de uma crítica bate de frente com a subserviência ao mercado.

Uma questão crítica

Para uma área que ocupa um papel central na cultura contemporânea e na qual as ações requerem a tomada rápida de um número elevado de decisões, a moda é espantosamente falha em cultivar um aparato crítico em torno dela, preferindo optar pelo texto afirmativo (de caráter publicitário ou descritivo) que amadurecer, submetida à opinião externa.

Há casos notórios nos quais quem se arriscou a criticar uma coleção perdeu o assento no próximo desfile da marca. Não se engane pela aparência inofensiva. Na moda, identificar falhas na proposta de uma coleção, analisando comparativamente os resultados e eventualmente concluindo que alguma coisa não foi bem (ainda que de forma isenta e objetiva como a boa crítica deve ser), pode transformar-se em uma atividade cheia de perigos.

As razões que levam a moda a evitar a crítica como se estivesse diante de uma arma configuram um assunto, mas não é um mistério. A contradição aumenta se considerarmos que muitos de nós, seus agentes, exercitamos com frequência a arte do comentário afiado em situações reservadas. Esta prática privada não configura necessariamente uma crítica, mas seria possível pensar nela como uma espécie de treinamento.

Se os candidatos a exercer a crítica temem represálias, as marcas, por sua vez, receiam que uma opinião negativa possa abalar o prestígio que desfrutam e prejudicar as vendas. O círculo de proteção fecha-se. Neste ponto a moda retrocede nas suas pretensões como atividade criativa, endurece o jogo e inviabiliza uma prática comum nas artes visuais, na literatura ou no cinema, empacando na condição de atividade estritamente comercial, da qual, reiteradamente, tenta afastar-se. Isso acontece quando é conveniente ampliar o valor cultural da marca, estratégia que tem contrapartida no valor econômico, mas a deixa mais exposta. Neste caso, não ajuda o conhecimento de que os filmes de grande bilheteria são geralmente os mais castigados pela crítica e raramente alguém deixa de ver uma exposição e ler um livro porque receberam críticas ruins. É como se nunca houvesse sido observado e dito que, se há algo que pavimenta a presença de uma proposta de pretensão autoral em qualquer área, é justamente a troca franca entre a criação e a análise crítica.

Uma crítica de moda, se houvesse, faria pouco ou nenhum sentido se dirigida à moda genérica e produzida em grande escala. Em tese, ela estaria direcionada àqueles criadores que tem uma proposta particular, diferente das demais e que, também em tese, estariam interessados na discussão sobre alcance e limites do seu recorte singular.

Marcas que produzem para um gosto amplo, cuja habilidade principal consiste em detectar e aprisionar no produto qualidades já assentadas no gosto comum, não se enquadrariam como objeto de atenção. A marca autoral supostamente define o campo em que atua. Na medida em que ela põe em jogo questões que estão além do ordinário é que entra na mira do interesse crítico. O mesmo princípio vale para o criador ou marca que já apresentou algo de significativo anteriormente. Em ambos os casos, seja pela originalidade ou pelo peso das realizações, o ponto de partida já pressupõe algum nível de complexidade e qualidade. É só neste patamar que faz sentido falar em crítica.

A moda autoral é como uma tomada de posição, não está destinada a agradar a todos. Quem faz, supostamente, está ciente dos limites do que fez, conhece os biótipos que se encaixam, as subculturas relacionadas ao seu gosto, entre outros fatores. Nestes casos, a opinião negativa de uns geralmente funciona como reforço para o apreço de outros, consolidando a fidelidade dos adeptos de longa data e atraindo novos, em função da clareza de propósitos.

Se a marca arrisca-se a mudar de direcionamento para ampliar vendas, por exemplo, ou envereda por experimentações estilísticas fora do usual, é bem provável que neste momento a crítica identifique a guinada, aponte e avalie. Eventualmente isso pode acelerar uma alteração do status anterior. Para que este texto seja honesto, é preciso dizer que nestes casos uma crítica pode causar estragos. Mas esta possibilidade (a de que algo venha a ser afetado por opiniões) existe sempre e é parte inseparável da condição de toda coisa pública. Sejam quais forem os riscos, objetivamente, é mais produtivo ouvir o que outros tem a dizer do que fechar as portas ao diálogo.

Opto pela afirmação: o número de pessoas que deixaria de comprar um item de moda em função de uma crítica ruim é irrelevante, perto daquele que compraria a moda como ideia, ingressando no círculo de consumo dela, a partir da interação esclarecida com suas práticas e propostas. Coibir a crítica assemelha-se muito a evitar o esclarecimento do público, algo semelhante ao que é levado a cabo pelos regimes autoritários, que optam por não oferecer educação, temendo que os educados amadureçam e enxerguem a fragilidade dos pilares que os mantém onde estão. Outra analogia possível é com o despreparo emocional para ouvir o que não gosta. Neste caso, a moda comportaria como uma criança mimada ou um adulto que se recusa a crescer.

De fato, a falta de uma crítica (condição que em dado momento funcionou como um anteparo de proteção para o seu desenvolvimento) é hoje o calcanhar de Aquiles da moda, impedindo-a de amadurecer como atividade e evoluir como forma de expressão.

Eduardo Motta | Crônica do Livro “O Lugar Maldito da Aparência”. Ed. Estação das Letras, 2013, SP.

Sobre o autor

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2 Comments

  1. Rodolfo Alvis

    11 de abril de 2016
    Responder

    Que texto incrível. E que responsabilidade é chamada a ser pensada pelos jogadores do tabuleiro da moda. Parabéns! Quero já esse livro.

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