CROCS DOS INFERNOS

CROCS DOS INFERNOS

4 de outubro de 2017 Moda 0

Kant dizia que a experiência da beleza nasce quando se abandona os interesses próprios, quando se olha para as coisas não com a intenção de usá-las para  satisfazer alguma necessidade, desejo ou propósito pessoal, mas apenas para observá-las e assimilar o que elas são. Essa definição parece muito bem se adaptar às novas empreitadas estéticas de Demma Gvasalia para a casa espanhola Balenciaga e ajuda a dar pistas do destinatário para o qual a moda atual está se dirigindo. 

Por décadas e décadas, a beleza na moda foi perseguida como algo fundamental, e apresentada de forma apoteótica. Como se a própria Vênus descesse de sua concha e desfilasse entre os mortais vestindo lenços de seda e tailleurs cor de rosa. Supermodelos eram seres especiais, fashionistas eram membros do Olimpo e todo e qualquer expectador desse mundo era apenas um representante da casta inferior.

Com este aproach categórico, a moda se fez autoritária e nasceram os padrões e os clichês. Até que alguém inconformado se rebelasse.

Nessa altura, pensa-se nos primeiros artistas que se negaram a pintar a natureza como ela idealmente era. Que imaginaram que, quem sabe, poderiam pinta-la transformada sob efeitos da luz, de um jeito mais experimental e abstrato, ou da maneira que seu humor determinava no momento. A moda, ora, também passou por isso. Assim como a roupa não é só para proteção, ela também não existe apenas para embelezar. Roupa é expressão. E expressões não são necessariamente sempre belas.

Há um bom tempo a beleza deixou de ser um adjetivo, uma condição determinada e solitária. Beleza anda acompanhada. É a beleza nova, a beleza grotesca, a beleza desagradável, a beleza confortável. A questão não é negar a beleza monótona de um quadro realisticamente pintado, mas de entender que a beleza é passível das mais variadas interpretações.

Agora, toda essa reflexão por motivos de um crocs? Sim! A Balenciaga chegou ao mundo como uma marca que entendia de elegância e supostas belezas, mas o próprio Cristóbal Balenciaga também sabia das infinitas formas da elegância. Seus sucessores, idem.

Demma Gvasalia é um cara esperto e sua sagacidade leva aos signos que ficam a espreita dessa nova geração. No passado recente aparentar como os pais era o fim. Hoje, o vestuário do papai turista dos anos 80 é cool e os créditos (ou culpa, para alguns) é dele. Seja como for, fazer com que um modelo de tênis intitulado “sapato feio” desapareça das prateleiras, não é uma mágica boba feita por qualquer ilusionista inexperiente.

Brincar com os antigos mantras da moda é o que se pode chamar de tendência na temporada atual. O tom sarcástico envolve adotar exatamente as peças que um dia foram abominadas por qualquer fashionista apático. A hora é de tirar sarro, elegantemente, de todo aquele que, em algum momento levou essa tal tirana moda a sério. Gvasalia, com seus crocs dos infernos, faz isso com maestria, declarando que o diabo também pode vestir Balenciaga.

 

 

 

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