Transparência e Sustentabilidade

Transparência e Sustentabilidade

24 de março de 2016 Colunas, Moda, Opinião 0

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Sustentabilidade é, provavelmente, uma das expressões mais mencionadas na atualidade. Contudo, o ideal de um consumo consciente, de uma convivência saudável com o meio ambiente enfrenta uma antiga tradição das organizações, em especial, das empresas: a falta de transparência.

Andrew Kassoy é fundador do B-LAB, uma organização sem fins lucrativos que certifica negócios sustentáveis. Em um artigo recente da Forbes, ele diz que “é muito bom quando grandes empresas reduzem seu impacto ambiental e lucram com isso (Wal Mart) e é muito bom quando uma empresa vende alguns produtos ecológicos (Nike), mas nenhuma dessas coisas faz a empresa sustentável em termo de criação de um impacto positivo na sociedade e/ou no meio ambiente. Para essas empresas serem sustentáveis, temos que saber que, como empresas, estão tendo um impacto positivo e mensurável em todos os atores, incluindo trabalhadores, comunidade e meio ambiente. Se tudo o que fazem é vender produtos ecológicos, isso não nos diz nada sobre seu impacto mais amplo; pior, se apenas 10% dos seus produtos são ecológicos, eles provavelmente estão fazendo um estrago muito maior com os 90% que não são”. De fato, essa é a sensação que se tem no na moda. Dá-se pequenos e bravos passos à frente, enquanto o que realmente sustenta o mercado é um sistema de produção pouco sustentável.

A transparência também não pode estar restrita às fronteiras da empresa. Usualmente, a maior parte do impacto ambiental está fora dos domínios da empresa, como, por exemplo, nos processos de produção de matéria-prima. De pouco adianta ser sustentável e transparente em seus processos se o impacto ambiental da produção da matéria-prima é imenso. É o que defende Ramon Arratia, diretor de sustentabilidade da Interface Floor: “Para fazer verdadeiros progressos em direção a um futuro mais sustentável, os negócios precisam ser transparentes em relação a seu impacto ambiental. Isso significa reportar não apenas os impactos da corporação, como as emissões de gases de efeito estufa, dejetos e uso de água, mas também os impactos ambientais de seus produtos através de seu ciclo de vida. Isso irá encorajar a competição sadia dentro do setor para produzir produtos melhores e mais genuinamente sustentáveis ao invés de competir sobre afirmações espertas ou as marcas mais bem desenhadas”.

Todos já perceberam que a sustentabilidade tem um apelo relevante e crescente sobre o consumo. Mas é a transparência que fará a diferença entre uma mera jogada de marketing ou uma efetiva busca de soluções. Ela é a forma de se combater um dos comportamentos sociais mais danosos: nossa capacidade de desconsiderar, de fazer vista grossa, à realidade gritante dos fatos. Se uma roupa é vendida no varejo a um terço do preço que usualmente custa, isso não é um achado; é um ultraje ao bom senso.

Uma das formas para se buscar transparência no setor da moda é o uso de selos de sustentabilidade. A tarefa de se utilizar tais selos, contudo, não é tão simples. Como afirma Milla Johanna Salmi em uma tese de mestrado da Swedish School of Textiles, “a cadeia de fornecimento da moda contém tantas etapas diferentes, variando do uso de produtos químicos e água até condições de trabalho e transparência”. Considerando a complexidade dos elementos trazidos por Milla Salmi, fica evidente que o desafio tanto da sustentabilidade quanto da transparência são gigantescos. A exigência de selos ou certificações também teria um outro problema: seu custo elevado acabaria inibindo a ação de empresas de pequeno porte.

Outro fator que também dificulta a transparência é a lógica de demonização das marcas com problemas de sustentabilidade. Segundo Gabriela Korovsky do Urban Grupo de Comunicación de Buenos Aires, isso cria barreiras ao invés de se enfrentar de fato os problemas existentes. Na realidade, quantas empresas realmente gostariam de divulgar as condições de trabalho de seus fornecedores? Quantas empresas teriam orgulho em mostrar para os consumidores, de ponta a ponta, como é feita a gestão da utilização da água? Quantas empresas teriam orgulho de mostrar ao público o que acontece com os seus produtos quando descartados?

A transparência é a única forma de se tratar a sustentabilidade com a seriedade que o tema merece. Quando o consumidor conseguir enxergar a real diferença entre as marcas, a sustentabilidade deixará de ser apenas um apelo à consciência e passará a ser um elemento essencial na decisão de compra.

Existem bons exemplos no mercado onde a transparência trabalha a favor da sustentabilidade, como são os casos da Everlane, da Zady e da Honestby. A Everlane, seguindo os princípios de “Conheça suas Fábricas”, “Conheça seus Custos” e “Sempre Pergunte Por Que”, mostra em seu site onde estão e quais são as fábricas que fabricam seus produtos. A Zady é uma plataforma de venda de produtos com origem sustentável, que empenha-se a demonstrar a origem dos materiais e os métodos de produção de cada participante da plataforma. Por fim a Honestby traz o conceito de 100% de transparência, em que todos os detalhes, desde a origem de cada componente até a composição dos custos estão expostas e disponíveis.

De uma maneira de outra, dificilmente se imagina um cenário em que sustentabilidade deixará de ser relevante. Pelo contrário, o aumento da consciência do consumidor e a prática de um consumo responsável é  tendência que evolui de forma um pouco lenta, porém sem retroceder. Como afirma Gabriela Korovsky, vivemos uma mudança de paradigma e, no futuro, nem se falará mais de sustentabilidade, porque isso já será algo natural. E não temos outra saída a não ser encarar os desafios. 

Como dizia o lendário ambientalista David Brower: “Não há nenhum negócio a ser feito em um planeta morto”.

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