Vik Muniz e as armadilhas da percepção

Vik Muniz e as armadilhas da percepção

28 de maio de 2014 Arte 0
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Da série Dust – Robert Morris

A primeira vez que vi trabalhos do Vik Muniz foi em Nova Iorque, no Whitney Museum, se não me engano em 2001. Eram grandes composições realizadas com poeira. Como fantasmas, de matéria mínima e ordinária, os desenhos retratavam obras de outros artistas, captadas da forma como elas estavam dentro de ambientes do próprio museu, em tons sujos de cinza. Duas inegáveis qualidades do artista estavam patentes nesta série, que ele batizara de Dust. A primeira delas era a capacidade de encontrar uma ideia particular dentro de um contexto de dados da própria arte. A segunda era a impressionante capacidade dele como realizador. Muniz já sabia como fazer, no sentido literal de execução física. Aqueles eram trabalhos de realização extremamente difícil e o artista, na continuidade da carreira, assombrou muita gente mundo afora exatamente pela competência com a qual dá forma àquilo que idealiza.

Uma amostra da obra dele chegou ao Centro Cultural Santander de Porto Alegre. Semana passada fui lá conferir. A primeira consideração é que nos trabalhos do começo de carreira o frescor da descoberta de áreas inexploradas entre a as coisas e os nomes delas, entre o que se vê e o que realmente é, ele estabelece momentos que mobilizam e deslocam de verdade a percepção de quem está diante da obra. Há um hiato entre estes trabalhos – de fronteiras imprecisas, é claro- e a divertida série de paisagens de cidades mundiais que ele executa com cartões postais de outros lugares, que não aquele que enxergamos à nossa frente. No centro deste itinerário, tomo a liberdade de colocar as realizações grandiosas que o impulsionaram de vez a um reconhecimento global. Particularmente as figurações em grande escala feita com acúmulos de lixo. Refiro-me à série Images of Garbage.

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Lixo extraordinário

Parte do público e da crítica nutre certa indisposição em relação aos grandes arroubos pop dessa fase da produção dele, com eventuais respingos em todas as outras. Não incorro no mau humor, Muniz me surpreende e diverte. Também sou refém de bom grado do engajamento social que ele aciona com o filme Lixo Extraordinário, mas, delimito o espaço e a intensidade do interesse pela obra dele.

Desde aquele primeiro contato em Nova York, até os dias de hoje, permaneço assombrado pelo realizador. Perdi muito do interesse pelos jogos de percepção, pelos truques com a taxonomia, os deslocamentos de sentidos e o ilusionismo, artifícios que visam desconcertar, fraturando o entendimento prévio do espectador. Na verdade, o desgaste com estes princípios, exaustivamente manipulados por certa parcela da produção contemporânea, ultrapassa a obra de Muniz. Diz respeito à manipulação de achados históricos da arte, hoje com forte apelo sobre o grande público, mas datados e esvaziados de significado pela banalidade imposta pela repetição.

A superficialidade em Vik Muniz cumpre seu papel e ele conversa com um imenso público. Ela não nos nocauteia, como faz o vazio implacável do pop de Warhol. A redefinição das coisas, nele, também não estabelece anti sinapses como aquelas instituídas por Kosuth, de dar nó na cultura e na cabeça da gente. Por último, os deslocamentos de sentidos e as reconfigurações das aparências, apesar da singularidade atraente, têm antecedentes na história da arte poderosos o suficiente para fazer sombra aos dele. Além disso, não acontecem no timing que aconteceram em Duchamp, por exemplo. Eu diria que nestas e outras questões a obra dele arranha. Tanto a história da arte quanto a nossa percepção.

É Muniz, na verdade, quem circunscreve o âmbito da própria obra. Ele quer e gosta de falar com todos os níveis de entendimento. Cita os Simpsons como referencial de universalidade e afirma não estar  interessado em problematizar questões mais complexas da arte. Tá no direito dele, assim como está no de quem interage com as obras avaliar o alcance delas.

A mostra O tamanho do mundo fica no Santander Cultural de Porto Alegre até o dia 10 de Agosto.

 

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